Falta de vergonha na cara
Quando era um moço pequenino, acabado de chegar à redacção do "Público", tinha um hábito perturbador e dificilmente confessável: escrevia o meu nome no boletim sempre que havia eleições para o Conselho de Redacção. Daí resultava que contabilizasse sempre pelo menos um voto, o que de uma forma absolutamente “delusional" talvez - digo talvez porque isto aconteceu há uns anos e as memórias quanto aos meus motivos são difusas - me trouxesse alguma alegria. Em boa verdade, nada de especialmente mau advinha do hábito. Bem mais grave foi o que aconteceu quando mais uma dúzia de pessoas seguiram o meu exemplo e acabei por ser eleito - ao lado de pessoas que realmente o mereciam, como a Ana Sá Lopes e o Pedro Caldeira Rodrigues - para um órgão que chocava excessivas vezes com o seu presidente por inerência, o já então director José Manuel Fernandes. O infortúnio voltou a bater-me à porta aquando da fundação da revista "Focus" - tanto quanto me lembro, nessa altura deixara de colocar o meu nome no boletim... -, tendo a brincadeira consequências ainda mais nefastas, pelo que foi com indisfarçada alegria que verifiquei a inexistência de Conselho de Redacção (os últimos eleitos acabaram por sair a mal do jornal) no defunto "Independente".
Vem isto a propósito do anúncio da lista dos 100 maiores portugueses. Sucede que um dos escolhidos pelo "voto telefónico-popular" é Hélio Pestana, actor de 21 anos que terá "dado vida" a uma personagem "betinha" da segunda temporada da telenovela acéfalo-juvenil "Morangos com Açúcar". Consultando a sucinta entrada que lhe foi dedicada na Wikipedia descubro que o Hélio fez uma das vozes da versão portuguesa da longa-metragem de animação “Cars", integrou o rol das 25 pessoas mais bonitas da televisão em 2005/2006 e empenha-se em concluir o curso de Arquitectura, conciliando-o com aulas de "hip hop" na Escola Dança Livre de Lisboa. Admito que não é o pior dos currículos, mas Mouzinho de Albuquerque (e como ele muitos outros) fez um nadinha mais e não conseguiu vislumbrar os calcanhares do Hélio. Arrisco-me a adivinhar que isso aconteceu porque ao bom do Mouzinho faltaram familiares e amigos empenhados em votar até que os dedos (e a carteira) lhes doessem. E deixo uma pergunta que muito gostaria de ver respondida: quanto dinheiro e tempo foi preciso gastar para ficar ao lado de Vasco da Gama, Fernando Pessoa e D. Afonso Henriques? E, sobretudo, como é possível não ficar coberto de vergonha perante o resultado do triste brincadeira.
P.S. - Mais grave do que isto só se o membro do elenco de "Morangos com Açúcar" a integrar a lista dos 100 maiores portugueses fosse o malogrado Francisco Adam, equiparado durante penosas semanas a uma espécie de James Dean lusitano pela triste coincidência de ter morrido mais ou menos da mesma forma que a efémera estrela de Hollywood.
1 Comments:
já acho suficientemente mau que o pinto da costa figure na lista. e pior, a frente do Eça! pelamordedeus...
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