Wednesday, June 14, 2006

Duvido que me arranjem um subsídio do ICAM

Não me quero armar em realizador de documentários mas ontem presenciei uma cena que poderia constar num eventual “Lisboetas 2: A Vingança”, longa-metragem em que nem todos os cidadãos estrangeiros que demandaram a capital portuguesa seriam ainda mais bonzinhos e explorados do que a moça da “Floribella”.
Estando eu a bordo de um autocarro da Carris dirigido ao Martim Moniz [atente-se na rima que, julgo eu, nunca foi utilizada pelos Ena Pá 2000], não pude deixar de tomar devida nota da presença de uma família de etnia difusa - suponho que eram romenos ou moldavos mas isso parece-me secundário para o desenrolar dos acontecimentos - espalhada por três filas de cadeiras de plástico. Mais atrás, do lado direito, o presumível pai de aspecto vagamente árabe fazia por abstrair-se do que a um metro de distância se passava. A suposta mãe, de idade indefinida e aspecto de bruxa dos contos infantis pré-politicamente correcto, esbofeteava ritmadamente o seu irrequieto pimpolho de cinco ou seis anos. Este respondia-lhe com risadas, deixando adivinhar que aquela poderia ser uma sonora demonstração de afecto. Sempre que alguém – como dizê-lo? - menos claro de pele entrava no autocarro havia uma rápida troca de palavras seguida de gargalhadas e do tipo de linguagem gestual que levaria alguns futebolistas a abandonar relvados com lágrimas nos olhos.
Quase no final da viagem, o miúdo começou a saltar no banco de plástico, perante o ar embevecido da progenitora e o enfado do patriarca. Temi que uma travagem brusca provocasse uma situação capaz de ganhar lugar no alinhamento dos telejornais mas o escasso trânsito do feriado municipal encarregou-se de evitar desgraças. Pelo menos até à entrada em cena de uma idosa portuguesa que não ficou encantada com a demonstração de trampolim do petiz e tentou iniciar uma vaga de fundo com recurso a comentários sobre má educação lançados para os restantes passageiros. O pai entendeu o teor do discurso da provável militante da Frente Nacional e disse algo em idioma misterioso à consorte, levando a que esta fitasse e lançasse umas quantas pragas à semi-interlocutora.
E eu? Havia chegado à minha paragem e, com o tipo de frieza distante típica dos operadores de câmara do National Geographic, abdiquei de envolver-me no iminente tumulto.

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