Wednesday, February 21, 2007

This used to be the place that used to be my playground


Quando fui trabalhar para o renovado "Independente", no final do mês de Maio de um 2001 de boa memória, sorri com a coincidência de passar a ter domicílio profissional a menos de uma centena de metros da maternidade, entretanto encerrada, que serviu de cenário ao meu nascimento. Durante mais de cinco anos lutei contra moinhos no oitavo andar do horrendo edifício da Avenida Almirante Reis que faz esquina com a serpenteante e desnivelada Rua Marques da Silva. Nesse imóvel, de seu nome Centro Comercial Portugália, passei excessivas horas da minha vida, algumas das quais contemplando num misto de curiosidade e horror o edifício quase orgânico de tão arquitectonicamente confuso que servia de linha do horizonte a grande parte das janelas da redacção do agora também encerrado semanário. Há poucos dias, por influência do sempre essencial Corta-Fitas, pesquisei o "site" do Arquivo Municipal de Lisboa e por lá encontrei esta fotografia de uma Lisboa de outra era. Atrevo-me a afirmar que a esquina das supra-referidas artérias era então bastante mais agradável aos olhos, até porque o tal edifício arquitectonicamente confuso ainda não havia sido degradado pelos seus ocupantes ao ponto de parecer uma entidade viva (mas a caminho da cova). No lugar do Centro Comercial Portugália onde vivi tristezas, alegrias, vitórias, derrotas, desilusões, surpresas e de tudo um pouco encontrava-se então a fábrica de cervejas da mítica Portugália. E assim foi até que alguém decidiu que não era preciso destinar um quarteirão inteiro à empresa. Desconheço os motivos que presidiram à demolição parcial e à construção do edifício no qual foram concebidas as últimas edições do "Independente" e que é parte da minha existência. Só constato que o raio da fotografia tem o condão de me transportar até Álvaro de Campos.

"Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei. Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra
Sempre o impossível tão estúpido como o real
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra."

Substitua-se "tabuleta" e "versos" por "fábrica de cerveja" e "Independente" e os versos como se um alfaiate estivesse envolvido nesta ocorrência

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