Monday, July 23, 2007

Curta homenagem à gata Iris

Os abismos da alma humana são insondáveis. Ontem dei por mim a lembrar-me de quando eu e a minha irmã aproveitávamos a missão de dobrar cobertores para transformá-los num parque de diversões para a gata siamesa Iris, cujo despotismo iluminado e de garras afiadas governou a casa da minha mãe durante mais de uma década. A Iris, ainda jovem felina, adorava tentar agarrar-se ao cobertor enquanto lhe dávamos umas valentes sacudidelas, ficando cada vez mais furiosa (e ao mesmo tempo animada) com as nossas tentativas de lhe impedirmos a permanência na lã assaz mais felpuda do que o pelo raso de que a genética a dotara. A Iris morreu de cancro há mais anos do que eu consigo contar, mas até ao final da doença não perdeu a altivez que nos impedia de reagir - ao contrário do que fazíamos com os seus descendentes, intimados de forma musculada a regressar ao chão - quando ela subia à mesa de jantar e esperava com suprema paciência uma dúzia de segundos por uma oferenda, se possível em forma de frango assado, à deusa egípcia que ela julgava ser. Ultrapassado o limite temporal, fazia uso da destreza transmitida em milhares e milhares de gerações e, com um golpe seco da pata dianteira, apoderava-se de almoços e jantares alheios. Ainda hoje trago nas mãos restos, quase invisíveis, de cicatrizes provocadas por tentativas de a contrariar.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home

d