Tuesday, December 26, 2006

E os dez melhores filmes de 2006 são...



10.º Le Temps qui Reste, de François Ozon

A viagem de um homem em direcção à sua morte não é uma proposta que se deva aceitar de ânimo leve. Há algo no modo como o fotógrafo Romain (Melvin Poupaud) decide não perder as escassas semanas de vida restantes com tratamentos dolorosos e de duvidosa utilidade que poderá enfurecer alguns espectadores, mas a forma como decide atar as pontas soltas da sua vida afectiva e a comovente relação de igual para igual com uma avó interpretada pela diva envelhecida Jeanne Moreau faz da última longa-metragem escrita e realizada por François Ozon uma experiência muito mais aprazível do que se poderia esperar.



9.º Volver, de Pedro Almodóvar

Depois de uma desastrosa incursão pelo cinema norte-americano, Penélope Cruz recebeu o "beijo da vida" do seu compatriota. Numa história de mulheres que até metade do filme parece ser também uma história de fantasmas - num "plot twist" que compensou a falta de fulgor demonstrada pelo mestre Shyamalan -, a Raimunda desempenhada pela ex-namorada de Tom Cruise tem uma força raramente encontrada nas personagens femininas da sétima arte. Além de atributos físicos decalcados das grandes estrelas do cinema italiano de meados do século passado que nem a um homossexual encartado como Almodóvar podem ser indiferentes.



8.º Munich, de Steven Spielberg

Só um cineasta judeu (ainda que não muito convicto e militante) como Steven Spielberg poderia arriscar-se a assinar um filme em que os métodos dos vingadores seleccionados pelas autoridades israelitas após o massacre dos atletas olímpicos pelo grupo palestiniano Setembro Negro são tão questionáveis quanto os dos terroristas que perseguem. Numa história contada em tons de cinzento sobressaem as dúvidas de Avner (Eric Bana), líder de equipa esmagado pelo sacrifício pessoal, e as certezas do operacional Steve (Daniel Craig em estágio para o mais famoso agente secreto de Hollywood), para o qual todas as acções são legítimas desde que praticadas contra os inimigos do povo escolhido.



7.º The Aristocrats, de Paul Provenza

A comédia mais popular do ano foi "Borat" mas isso só indica que poucos deram pela efémera exibição deste documentário em que dezenas de comediantes americanos e britânicos arriscam variações da mais suja e ofensiva anedota de sempre. Além das gargalhadas impossíveis de conter perante uma avalanche de profanidades irreproduzíveis num blogue familiar é imperioso encarar "The Aristocrats" como uma reflexão acerca dos limites do humor e do modo como estes se alteram ao longo dos tempos.



6.º United 93, de Paul Greengrass

Optando por um registo próximo do documentário graças ao qual pouco sabemos acerca dos passageiros e tripulantes do malfadado voo 93 da United Airlines, o britânico Paul Greengrass dedicou anos de vida a construir um argumento em conjunto com as famílias das vítimas que responderam aos terroristas com um acto que teve tanto de heroísmo quanto de puro instinto de sobrevivência. Ao contrário dos que viajavam nos dois aviões que chocaram contra o World Trade Center, os ocupantes do Boeing que se despenhou numa zona rural da Pensilvânia sabiam perfeitamente o que estava em jogo. O retrato daquilo que tentaram fazer e da desorientação de todas as autoridades que supostamente os deviam ter auxiliado é um testemunho poderoso do dia mais negro do século XXI.



5.º Paradise Now, de Hany Abu-Assad

Dois amigos palestinianos deixam-se recrutar por um grupo que lhes concede o glorioso destino de serem mártires numa movimentada rua de Telavive. Além de mostrar a falta de horizontes que leva jovens razoavelmente iguais a quaisquer outros a aceitarem tornar-se bombistas-suicida, o filme tem a coragem de denunciar o oportunismo e hipocrisia das organizações terroristas - numa cena em registo de comédia negra a emotiva mensagem de martírio de uma das personagens principais acaba por ser repetida devido a problemas técnicos com a "camcorder" de serviço - e de espelhar as dúvidas existentes entre os palestinianos quanto à melhor forma de lutar contra a potência ocupante.



4.º Jarhead, de Sam Mendes

O realizador britânico de ascendência portuguesa continua a pagar o preço de ter obtido demasiado reconhecimento com a obra de estreia. Tal como já havia acontecido com "Road to Perdition", "Jarhead" foi injustamente esquecido nas entregas de prémios cinematográficos do ano passado, o que em nada desmerece a adaptação das memórias que Anthony Swofford guardou da primeira Guerra do Golfo. Ao longo de duas horas é-nos oferecida a angústia bem-humorada de soldados para quem longa se torna a espera até puderem expulsar as tropas iraquianas do Koweit. Sem chegar aos limites da insanidade de "Full Metal Jacket", a obra protagonizada por Jake Gyllenhaal, Peter Sarsgaard e Jamie Foxx é provavelmente o melhor filme de guerra em que as personagens principais não chegam a matar ninguém.



3.º Brokeback Mountain, de Ang Lee

Os mais cínicos poder-lhe-ão chamar um filme "gay" para homofóbicos. Os restantes apreciaram "Brokeback Mountain" como uma história de amor impossível devido às circunstâncias, ao mundo que rodeia os dois amantes e à relutância que um deles tem em considerar aquilo que sente como algo aceitável. Mais do que o exuberante artista de rodeos Jack Twist (Jake Gyllenhaal), a chave do sucesso do filme reside no contido e perturbado Ennis del Mar (Heath Ledger), incapaz de assumir-se quando não se encontra nas recorrentes "pescarias" na montanha que dá nome à longa-metragem que acabou por ser a principal derrotada nos Óscares de 2006.



2.º Children of Men, de Alfonso Cuarón

Quase ninguém prestou a devida atenção a esta distópica visão do futuro próximo. Passado num ano 2027 em que os humanos deixaram de ter a capacidade de procriar, o filme urdido pelo mexicano Cuarón com base num livro da escritora de policiais P. D. James serve para cimentar a imagem de Clive Owen enquanto o Humphrey Bogart dos tempos modernos. O seu funcionário público Theo Faron encetará uma jornada de reconquista da fé a partir do momento em que aceita conduzir para fora de Inglaterra uma jovem imigrante ilegal que logrou engravidar. A cena em que ambos saem de um prédio semidestruído numa cidade costeira transformada em gueto, interrompendo por segundos violentos combates entre forças governamentais e milícias étnicas, é um momento mais religioso que o cinema teve para oferecer ao longo de 2006.



1.º A History of Violence, de David Cronenberg

Devemos a David Cronenberg, Viggo Mortensen e Maria Bello a única obra-prima deste ano cinematográfico. Entre Tom Stall, o pacato pai de família e dono de um estabelecimento de restauração transformado em herói ao matar dois "serial killers", e Joey Cusack, "gangster" de Filadélfia com um historial de malfeitorias que sobreviveu ao seu misterioso desaparecimento, há demasiados pontos em comum. Tantos que não demora até Edie Stall começar a perceber que o marido e pai dos seus dois filhos está longe de ser o homem que imaginava. Baseado numa "graphic novel" assaz liberal no derrame de hemoglobina, "A History of Violence" impressiona menos pelas cenas de violência terrivelmente cruas do que pela intensidade dos desencontros daquilo que em tempos foi uma família feliz.

3 Comments:

Blogger Tiago Cavaco said...

Também gostei muito do Children Of Man.

12:44 AM  
Blogger Leonardo Ralha said...

Aparentemente somos só nos dois, Tiago. Devemos mesmo ser homens de fé.

11:37 AM  
Blogger linfoma_a-escrota said...

DEATH TO VIDEODROME!!!!
LONG LIVE THE NEW FLESH!!!!

não sei o que é que te atraiu tanto nesse cronenbergzito que fica tão aquém de todo o seu passado...

5:08 AM  

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