O general saiu do seu labirinto
Morreu no domingo um dos dois ditadores mais emblemáticos da América Latina. Não foi propriamente uma notícia inesperada, na medida em que, tal como o outro, Augusto Pinochet apresentava um estado de saúde nos antípodas da força patente nas fotografias a preto-e-branco que constituem a sua iconografia (aquela em que está sentado, com os braços cruzados e de óculos escuros vai além do que o melhor director artístico de Hollywood seria capaz de conceber). Um dia, como acontece a todos os homens, a morte chegou para o chileno. Um homem que, tal como o outro, derrubou um regime que considerava lesivo para os interesses da sua pátria - embora Fulgêncio Baptista fosse um déspota puro e duro e Allende tivesse merecido os votos vanguardistas de 36,2 por cento dos compatriotas em eleições presidenciais para as quais não estava prevista segunda volta, alienando de seguida o apoio dos ex-aliados democrata-cristãos devido às suas políticas sociais e económicas –, dedicando-se de seguida a eliminar com especial maldade os seus adversários políticos. Apesar do seu papel na contenção do tipo de regime político que tende a nunca mais abandonar o poder assim que o conquista e do relativo sucesso das políticas económicas que apadrinhou, não resta a menor dúvida de que no domingo morreu um homem mau, capaz dos maiores atropelos à liberdade e mentor de vergonhosos e sistemáticos assassinatos, torturas, abusos e humilhações para muitos milhares de pessoas. Morreu no domingo um dos dois ditadores mais emblemáticos da América Latina. Curiosamente aquele de entre os dois que percebeu a mudança dos ventos e aceitou renunciar ao poder em troca de garantias, alvo de erosão nos últimos anos, de que não iria pagar pelos seus actos na Terra.
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