Confissões de um ex-escritor de obituários
Durante um ano ou mais qualquer coisinha incluí entre as rotinas da minha semana de trabalho "matar" alguém. O texto de seis mil caracteres com o defunto da semana tinha de ficar pronto, mais tardar, na madrugada de quarta para quinta-feira. Lembro-me que o primeiro foi o Jorge Amado e ignoro quem terá encerrado o rol. Voluntariei-me para a tétrica missão quase sem dar por isso - suponho que o Paulo Pinto Mascarenhas, então editor de Sociedade e Internacional do "Independente", foi o grande responsável -, mas levei-a muito a sério enquanto a desempenhei. Em vez de confeccionar o texto acerca de alguém que tivesse deixado de respirar no fim-de-semana, eu preferia deixar a semana correr. Em certas edições o sujeito do obituário era óbvio. Noutras a escolha era árdua. Mas na manhã de quinta-feira, mais tardar, o Paulo Pinto Mascarenhas tinha à sua espera um texto que fazia o favor de elogiar quando o autor, pálido e com olheiras enegrecidas, lograva encontrar o caminho de volta para a redacção. Acredito que fui sempre justo com os "meus" mortos. Evitei ser laudatório e descrevi-os enquanto imperfeitos seres humanos que todos somos. Confesso, qual Camilo Castelo Branco no prefácio do "Amor de Perdição", que chorei ao escrever determinados obituários. Assim aconteceu, por exemplo, com o do ex-presidente da TAP Manuel Ferreira de Lima, uma intrigante personagem com a qual me cruzara anos antes. Mas também escrevi coisas desagradáveis porque honestas. Não acredito na santidade adquirida pela morte e nunca terei problemas de qualquer espécie em dizer que morreu um sacana quando ocorrer o óbito de um sacana. Vem isto (ou não) a propósito da morte do Capitão América, personagem de banda desenhada que nunca conquistou o meu imaginário como o Batman, o Homem-Aranha ou o Surfista Prateado. Atrevo-me a dizer que é mau sinal quando um símbolo do "american way" vê reservado tão sombrio final pelos seus criadores. Acrescentaria mesmo que estamos perante um perturbador derrotismo não fora eu ter cabelos brancos suficientes para ter bem presente o "publicity stunt" que há uma década traduziu-se no "não te mexas, morre e ressuscita" do Super-Homem.
2 Comments:
já não seria a primeira vez q ele ressucitava.ele depois de combater os nazis e o red skull da segunda guerra mundial , foi congelado para voltar na década de 70
O Capitão América morreu? Diz que não é verdade... please...
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