Thursday, March 29, 2007

Em vez de sete pecados capitais, um pecado nas ruas da capital

Quando caminho em passo apressado pelos quarteirões da Avenida de Roma cruzo-me mais vezes do que seria estatisticamente plausível com um determinado cidadão tranquilo. Nunca nos cumprimentamos, muito embora eu saiba perfeitamente quem ele é e não me admire que ele também faça ideia de quem eu sou. Da metamorfose de introvertido para folgazão com que ocupei o início da vida adulta ficaram uns quantos resquícios daquilo que durante muitos anos fui e um desses é a extrema relutância em interpelar alguém a quem não tenha sido formalmente apresentado. No entanto, mesmo sem nunca ter trocado uma sílaba com esse homem de idade próxima da minha e ideias quanto ao mundo assaz diferentes, atormenta-me a constatação de que o invejo. Ao cruzar-me com esse cidadão tranquilo imagino-o enquanto soberano absoluto das suas horas, coisa de que não posso orgulhar-me. Estou até hoje para ler um dos muitos livros com que vai construindo uma obra para as gerações vindouras mas a percepção de que logrou programar a existência para poder criar universos só me maravilha na fracção de segundo que demoro a reparar no modo como os meus finitos segundos são geridos em função de outros interesses. Eu pecador me confesso.

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