Dia de aniversário de um pedinte distinto
Seguia carregado com sacos de plástico cheios de jornais diários, camisas de verões passados resgatadas do armário da casa da minha mãe e uma tarte de maçã do Pingo Doce praticamente por estrear quando o cavalheiro me interpelou. Os raios de Sol que dominavam o cenário junto ao King Triplex e ao Teatro Maria Matos dificultaram a missão, mas reconheci-o de imediato. Não só o homem empregava um português perfeito, o que vai sendo raro numa classe profissional dominado por oriundos de Timisoara, como são raras as pessoas vestidas de forma tão distinta cuja missão é pedir esmola a quem com elas se cruza. Tal como da primeira vez que nos encontrámos, há uns quantos meses, o homem de cabelos brancos, barba bem aparada e camisa imaculada demorou a chegar ao assunto. Quando finalmente me disse o que já esperava - parecia impossível, mas estava a pedir-me esmola (imaginem a palavra "esmola" pronunciada de tal forma que, caso o diálogo fosse escrito e não falado, não desmereceria um itálico...) -, apressei-me a fazer aquilo que o mestre Álvaro de Campos descreveria como dar~lhe "tudo quanto tinha (excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro)". Concluída a operação, o homem fez questão de continuar a falar comigo, ignorando o calor tórrido e o facto de ter acabado de ficar um pouco mais próximo da possibilidade de jantar. Disse-me o quanto o desemprego é uma coisa terrível e eu, que nem tenho assim tão má memória, concordei. Suponho que ali ficaríamos largos minutos não fosse o facto de os sacos estarem pesados e o relógio não ter função de "pause" embutida. Despedi-me do homem e ele fez questão de me dar um aperto de mão firme, de homem, e de anunciar que hoje era o seu 60.º aniversário. Dei-lhe os parabéns, voltei a acelerar a passada e durante um número razoável, mas não excessivo, de minutos criei uma agência de apostas dentro do meu cérebro: se a triste história fosse verdadeira a casa pagaria três euros por cada um investido, subindo o prémio para cinco euros caso o cavalheiro tivesse problemas mentais que o levassem a considerar-se um mendigo e chegando a nove euros se tivesse engendrado a triste narrativa para apurar até que ponto são ingénuos os seus concidadãos. Mas de qualquer forma eu saí a ganhar: ajudar alguém que passa necessidades ou levá-lo a convencer-se de que ainda subsiste alguma solidariedade nas ruas de Lisboa é um objectivo que valeu o sacrifício de uma moeda de dois euros que me estava a fazer peso na carteira.
2 Comments:
Parabés pelo "post". Se não fosse por outra razão, pelo menos pelo facto de nos "iluminar" sobre a triste condição de desempregado e mendigo. O seu texto é o retorno da "aposta" que fez.
Felicidades.
tb gostei mt deste post, dos outros tb mas adiante, e foi bonito oo teu gesto, independentemente do resultado das apostas. Bjs
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