Sunday, June 10, 2007

Dia de aniversário de um pedinte distinto

Seguia carregado com sacos de plástico cheios de jornais diários, camisas de verões passados resgatadas do armário da casa da minha mãe e uma tarte de maçã do Pingo Doce praticamente por estrear quando o cavalheiro me interpelou. Os raios de Sol que dominavam o cenário junto ao King Triplex e ao Teatro Maria Matos dificultaram a missão, mas reconheci-o de imediato. Não só o homem empregava um português perfeito, o que vai sendo raro numa classe profissional dominado por oriundos de Timisoara, como são raras as pessoas vestidas de forma tão distinta cuja missão é pedir esmola a quem com elas se cruza. Tal como da primeira vez que nos encontrámos, há uns quantos meses, o homem de cabelos brancos, barba bem aparada e camisa imaculada demorou a chegar ao assunto. Quando finalmente me disse o que já esperava - parecia impossível, mas estava a pedir-me esmola (imaginem a palavra "esmola" pronunciada de tal forma que, caso o diálogo fosse escrito e não falado, não desmereceria um itálico...) -, apressei-me a fazer aquilo que o mestre Álvaro de Campos descreveria como dar~lhe "tudo quanto tinha (excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro)". Concluída a operação, o homem fez questão de continuar a falar comigo, ignorando o calor tórrido e o facto de ter acabado de ficar um pouco mais próximo da possibilidade de jantar. Disse-me o quanto o desemprego é uma coisa terrível e eu, que nem tenho assim tão má memória, concordei. Suponho que ali ficaríamos largos minutos não fosse o facto de os sacos estarem pesados e o relógio não ter função de "pause" embutida. Despedi-me do homem e ele fez questão de me dar um aperto de mão firme, de homem, e de anunciar que hoje era o seu 60.º aniversário. Dei-lhe os parabéns, voltei a acelerar a passada e durante um número razoável, mas não excessivo, de minutos criei uma agência de apostas dentro do meu cérebro: se a triste história fosse verdadeira a casa pagaria três euros por cada um investido, subindo o prémio para cinco euros caso o cavalheiro tivesse problemas mentais que o levassem a considerar-se um mendigo e chegando a nove euros se tivesse engendrado a triste narrativa para apurar até que ponto são ingénuos os seus concidadãos. Mas de qualquer forma eu saí a ganhar: ajudar alguém que passa necessidades ou levá-lo a convencer-se de que ainda subsiste alguma solidariedade nas ruas de Lisboa é um objectivo que valeu o sacrifício de uma moeda de dois euros que me estava a fazer peso na carteira.

2 Comments:

Blogger MANHENTE said...

Parabés pelo "post". Se não fosse por outra razão, pelo menos pelo facto de nos "iluminar" sobre a triste condição de desempregado e mendigo. O seu texto é o retorno da "aposta" que fez.

Felicidades.

11:54 PM  
Blogger Isa said...

tb gostei mt deste post, dos outros tb mas adiante, e foi bonito oo teu gesto, independentemente do resultado das apostas. Bjs

11:42 AM  

Post a Comment

<< Home

d