Monday, June 04, 2007

Eu e a espada do meu pai


Imaginem uma nova versão de uma velha história. Artur aproxima-se da espada Excalibur, contempla a beleza da arma de guerra, apercebe-se de que poderá ser o homem capaz de a separar da rocha mas, apesar disso - ou justamente por causa disso -, decide virar-lhe costas e seguir o seu caminho. Aconteceu-me mais ou menos isto há pouco mais de três horas, numa das visitas ao meu avô que me esforço por serem menos intervaladas desde que, há apenas quatro semanas, o meu pai morreu. Há muito tempo que não descia da casa para o jardim, no qual o José Ralha investiu milhares de contos, fazendo as delícias dos vendedores de palmeiras e afins da Margem Sul. Cruzei o relvado onde tanto corri noutras décadas e, após folhear a imprensa diária à sombra de uma estrutura metálica que a imaginação transformou numa gigantesca gaiola para pássaros, aventurei-me a atravessar o riacho de águas turvas e peixes vorazes que divide a meio a Casa do Outeiro. Percorri o trilho empregando o máximo de precaução para evitar esmagar as flores que tingem de cores vivas aquela parcela de terreno e em poucos segundos cheguei ao que na minha infância era a casa do Sr. João, o caseiro de pele curtida ao Sol e dono de um rafeiro chamado Cubillas que tomava a seu cargo a subsistência das plantas do meu avô. De há uns anos para cá a habitação, espaçosa mas assaz despojada, havia sido anexada pelo meu pai, que dela fizera uma espécie de "atelier". Não me admirei por tudo ali permanecer tão caótico como ele provavelmente terá deixado, sem imaginar que não haveria amanhã, jazendo diversas versões das suas peculiares naturezas mortas junto a arbustos e às enormes tijelas em que os gatos vadios que ele adoptara são ainda alimentados com biscoitos que o meu felinofóbico avô se recusa a custear. O que realmente me espantou foi a espada cravada na terra. Não uma das espadas reluzentes que o meu pai guardava em casa, mas sim uma de tal modo enferrujada que parecia ter saído já assim da forja. Aproximei-me do objecto estrangeiro às minhas memórias, calcando a espessa relva que cresce naquelas paragens, e não resisti a tentar retirá-la do solo. A primeira tentativa foi quase risível: sobrevalorizara o poderio da minha mão direita e a terra resistiu à investida sem dificuldades de maior. Tentei novamente, desta vez com ambas as mãos. Após um instante de incerteza senti a proximidade do triunfo, pois a espada elevou-se alguns centímetros. Suponho que bastaria um novo puxão para a erguer em direcção ao céu, o que teria o seu quê de infrutífero na medida em que nem um sol tão abrasador quanto o desta tarde lograria fazer reluzir uma espada tão ferrugenta quanto aquela. Talvez por isso, ou talvez por outra razão qualquer, desisti do meu vazio intento. Usei novamente da força braçal, mas desta vez para assegurar que a espada do meu pai ficaria cravada ainda mais fundo. E, posto isto, virei-lhe costas e segui o meu caminho.

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