Thursday, May 15, 2008

Vai mais um acto de contrição radical...


Tendo em conta que José Sócrates pediu desculpa por desrespeitar a Lei do Tabaco e jurou solenemente ao País nunca mais pegar num cigarro após ser visto a fumar no avião que o transportou para junto de Hugo Chávez, o que prometeria o primeiro-ministro não mais repetir se fosse acusado de atentado ao pudor por imitar os passarinhos e as abelhas a bordo do avião da TAP?

Wednesday, May 07, 2008

O dia em que o meu pai morreu

Não tenho memória paquidérmica mas duvido que algum dia possa esquecer o primeiro rosto conhecido que avistei depois de tomar conhecimento da morte do meu pai. O desafortunado foi o João Saramago, meu camarada de secção no "Correio da Manhã", à frente do qual passara longas horas do fim-de-semana na árdua missão de vencer os espaços em branco no maléfico Milenium Editor, transformando-os em artigos que mereçam captar a atenção das vastas centenas de milhares de leitores do matutino onde vim desaguar. O João, que é moço para contar com mais um punhado de anos do que eu, muito embora ninguém possa acreditar nisso sem provas laboratoriais devido ao efeito rejuvenescedor da extrema decência e bondade que dele irradiam, vinha tranquilo da vida no gozo da sua primeira folga, carregando alguns sacos cheios de compras para casa, quando encontrou o seu editor na Avenida Cinco de Outubro e, sorrindo perante tamanha coincidência, perguntou se estava tudo bem. Se calhar podia ter mentido, melhor dizendo omitido, mas não fui capaz. Limitei-me a comunicar, ignoro se da forma mais coordenada, que acabara de receber a notícia da morte do meu pai. Ele ficou chocado e fez o possível por me rebocar para uma mesa de café, mas nesse momento eu já assumira o papel de Coelho da Alice. Tão atrasado para tanta coisa que me limitei a tocar-lhe no ombro, temendo que sucedesse como na canção do Sérgio Godinho e a marca ficasse lá, voltei a atravessar a rua, ainda com o telemóvel em punho, mas com o pesado caderno de encargos a tornar o velho Nokia quase impossível de suster. Dos meus três irmãos, a Diana estava em lua-de-mel nos Açores, o Bernardo a trabalhar na Irlanda e o Paulo a fazer o mesmo na Escócia. E ainda havia a minha mãe, sobrevivente de duas coabitações com o pintor José Manuel Xavier Correia Ralha.

Menos de um minuto antes de tudo isto acontecer, a minha segunda-feira, denominada 7 de Maio de 2007 no calendário, era assaz diferente. Acordara tarde e derreado na ressaca de sete dias seguidos a bulir no "Correio da Manhã", mal conseguindo elevar-me nos calcanhares para apoiar decentemente a Marina na preparação para o primeiro dia de novo emprego. Tão preguiçoso estava que só perto da uma da tarde telefonei à minha mãe, com quem supostamente iria almoçar. Quando o fiz percebi que ela estava demasiado atarefada, pelo que adiei a conversa e refeição para o dia seguinte. Restava-me uma viagem ao reino da burocracia para safar dentro dos limites do safável a minha irmã Diana de uma tremenda enrascada e talvez houvesse tempo para ir ver um dos filmes de que vou assistindo aos "trailers" quando os meus abreviados sucedâneos de almoço decorrem no Pans & Company situado perto da entrada dos cinemas do El Corte Inglés. Fui à Caixa dos Jornalistas e por lá me disseram que a questão devia ser colocada aos serviços da Segurança Social perto do Saldanha. Tendo em conta a razoável distância dei por mim a resolver encetar uma daquelas caminhadas de que tanto gosto e que fazem de mim um dos obesos com "lifestyle" mais saudável que andam por aí. O instante fatal ocorreu quando atravessava para o lado menos tórrido da Avenida Cinco de Outubro: o telemóvel começou a tocar e o número que aparecia no ecrã era o de casa do meu avô. Fui de imediato invadido por um mau pressentimento e o meu espírito ficou ali especado no meio do alcatrão enquanto as pernas arrastavam o corpo para a segurança do separador central. Ao atender ouvi a voz da Madalena, a sempre presente governanta da casa do meu avô. O tom aflito da sua voz dizia tudo mas a minha surdez, o ruído dos automóveis e a vontade de não ouvir fizeram com que pedisse uma, duas, três confirmações. À quarta ou quinta tentativa já era o marido dela que tomara conta do telefone. E eu tinha que ser forte. E o meu pai tinha morrido. Sentira-se mal enquanto estava ao telefone com a namorada e deixou de falar. Ela alertou o meu avô e a Madalena, mas quando eles chegaram já tudo era definitivo. O pintor, designer gráfico e homem José Ralha, meu pai, morrera na mesma casa para lá dos Capuchos que, desde os tempos de criança encaracolada, quando eram dele todos os sonhos do Mundo, enchera com a sua presença. Ainda tive capacidade de perguntar como estava o meu avô, mas do outro lado da linha já só havia apelos: tinha que para lá o mais depressa possível e tinha de avisar os meus irmãos.

Após despedir-me do João Saramago iniciei aquilo que me cabia fazer. Atravessei novamente a Avenida Cinco de Outubro e, protegido pela sombra das árvores da Avenida Elias Garcia, telefonei à Diana, cruzando os dedos para que ela estivesse numa das zonas privilegiadas da ilha de São Miguel em que a Optimus tem rede. Resultou, pois a minha irmã, acabadinha de casar no domingo passado e desde então desapossada do seu emprego, atendeu após um quarteto de toques, esperando decerto novidades acerca das burocracias que me incumbira de desbravar. E eu, a quem o Ministério do Trabalho não se lembrou de oferecer formação profissional na área da entrega de notícias ruins, resolvi entrar no assunto pela negação de um outro cenário. Suponho que terei dito que algo terrível acontecera mas que a nossa mãe, a fortaleza de olhos azuis que nos criou o melhor que soube e pôde, estava bem. Estabelecido este ponto, a minha irmã perguntou-me se era o avô Ralha a razão do desajeitado telefonema. Respondi-lhe, da forma mais serena - ainda que as palavras que saíam da minha boca soassem a uma linguajar babélico -, que o nosso pai tinha morrido. Assim, através de um telemóvel de fabrico finlandês, algures na Avenida Elias Garcia, com a Diana encurralada por um oceano imenso, cinzento e revolto. Ouvi, impotente, o choro dela e nunca me passou pela cabeça apelar-lhe a que fosse forte. Deixei-a simplesmente chorar e, como que para afastar a nuvem negra por uns instantes, anunciei-lhe quais seriam os meus próximos passos, após o que demos por terminado a primeira de muitas conversas telefónicas ao longo dessa segunda-feira.

Desligado o telemóvel o meu cérebro e as minhas pernas mantiveram a falta de sintonia. Uma força desconhecida encaminhou-me num ilógico e desnecessário desvio para a Avenida da República. Por entre uma mescla de edifícios centenários e aberrações arquitectónicas voltei a dedilhar o teclado do telemóvel. Liguei para a Marina, que por essa altura almoçava com o seu novo patrão e o seu novo colega de trabalho num restaurante do Campo Pequeno. Ao longo dos muitos meses em que deixei interrompido este post perdi a memória de muitos instantes deste dia igual a tantos outros em que, como sucede a todos os homens, a morte chegou a José Manuel Xavier Correia Ralha. Não posso por isso descrever as palavras que utilizei para descrever o que acabara de descobrir. Apenas garanto que recebi garantia de reforços para me ajudar a enfrentar algo para que nunca me lembrara de elaborar plano de contingência. Prossegui a caminhada, até porque o mais difícil seria parar. Cheguei a entrar numas instalações bancárias por acreditar que tais coordenadas me concederiam a ausência de ruído ambiente de que necessitava para telefonar aos meus outros irmãos. Debalde. Alheados de que um coração deixara de bater, damas e cavalheiros de aspecto decente procuravam consultar saldos bancários, liquidar contas de electricidade e tudo mais o que os terminais de multibanco permitem.
De regresso à via pública as minhas pernas levaram-me para a estreita Avenida Júlio Dinis onde passei meia década de estudante universitário a depradar direitos de autor com a cumplicidade de professores e empresários de centros de fotocópias. E foi só no final da artéria do Apolo 70, Arco-Íris e Columbia que me sentei num canteiro de pedra não excessivamente higienizado. Ganhei coragem e liguei para o Paulo, sem conseguir recordar-me se a chamada iria parar à Escócia, à Irlanda e a qualquer outro ponto da diáspora dos Ralha. Também não me recordo a esta altura do campeonato se ele atendeu à primeira tentativa. Mas acabou por fazê-lo. Quero acreditar que não lhe disse para ser forte. Mas não juro que assim tenha acontecido. Graças ao velho Nokia ouvi perplexidade, tristeza e a inquietação de quem passaria as horas seguintes à procura de um ou vários aviões capazes de lhe permitir estar presente. E foi nesse momento que me permiti fraquejar, atirando-lhe para cima a responsabilidade de contaminar com a notícia o nosso Bernardo. Poder-se-á dizer que o terei feito por o Paulo partilhar com o Bernardo herança genética de pai e de mãe, ou por terem crescido juntos, mas não. Fi-lo pura e simplesmente porque, estupidamente, cria já não ter capacidade para aguentar mais. Fi-lo porque queria descansar um bocado nesse canteiro frio e sujo, onde num dia normal não me passaria pela cabeça sentar-me, antes de a Marina vir ter comigo.

Nos instantes antes de ela chegar apreciei o silêncio. As pessoas continuavam a andar de um lado para o outro, não como formigas na terra, apenas seres humanos apressados, cheios de problemas, alegrias, tristezas, fantasias inconfessáveis. E eu por instantes de fora da corrente daquele rio. Uma quantidade indeterminada de minutos depois apareceu a Marina, com o seu novo patrão e o seu novo colega de trabalho a uma distância cautelosa. Nenhum deles me ficou a conhecer nesse instante. O primeiro estivera em pano de fundo no dia em que apresentei o meu primeiro (e, feliz ou infelizmente, único a esta data) romance na discoteca da moda que entre finais do século XX e primórdios do século XXI fez as vezes de minha sala-de-estar. Quanto ao segundo, basta dizer que, noutra vida e em tempos imemoriais, poder-se-á dizer, com uma enorme dose de exagero, que estivemos perto de ser aquilo que os antigos chamariam de concunhados. Não faço a mais ténue ideia daquilo que me disseram mas quero acreditar que terão sido palavras muito adequadas às circunstâncias. Já me esqueci de tanto nesta dezena de meses que se passaram entretanto. Tenho pena de não me recordar de todos os irrepetíveis detalhes desse dia. Mas, claro está, avisei desde a primeira linha que nunca tive memória de elefante.

Quando ficámos os dois sozinhos, eu e a Marina, naquela estreita e curta avenida onde tantas fotocópias de manuais de ciências inúteis carreguei, disse-lhe que era preciso avisar a minha mãe. Presencialmente. Após dois filhos, duas coabitações e tantos sentimentos conflituosos mais do que contraditórios, não poderia ser menos do que isso. Temia a reacção e, como sempre, um recanto do meu cérebro começou a traçar cenários e estratégias de actuação diferenciadas. Assim fiz enquanto era dirigido ao edifício da Dom Quixote, onde repousavam os haveres da minha "better half" no seu atribulado primeiro dia de trabalho. Percorri aquela reduzida fracção de quilómetro a arrastar o peso dos meus pensamentos e quando chegámos ao destino não tive coragem para subir às mesmas instalações onde meses antes, ainda desempregado e sem perspectivas de ocupação na linha do horizonte, fui recolher com um recibo verde emprestado os reduzidos proveitos da minha nada persistente produção literária. Optei por ficar num amplo e desocupado café situado no piso térreo, para onde fui conduzido até estar à distância correcta do balcão. Era um dia diferente dos outros mas em nada alterei os desaconselháveis hábitos socio-gastronómicos que me vêm acompanhando. Pedido o trinómio café-pastel de nata-esverdeada garrafa de Água das Pedras (entretanto substituído pela translúcida Frize Limão), encarreguei-me de destruir a massa do bolo cremoso com a imperfeita dentição que os genes de família me outorgaram. Se a vida fosse melhor escrita do que acaba por ser talvez ainda houvesse um último bom-bocado, esse bolo de massa mais espessa e saborosa do que o folhado dos pastéis de nata, que o José Manuel Ralha me ensinou a apreciar nos tempos em que cada um de nós desempenhava papéis de pai e filho de 15 em 15 dias e que ainda hoje se mantém como uma duradoura influência na minha existência. Terminado o consumo e liquidado o consumo, virei a atenção para o telemóvel momentaneamente deixado em pousio. Mesmo estando de folga durante mais um dia era chegado o momento de avisar que não ocuparia o meu computador na quarta-feira. Deveria ter ligado para a Manuela Guerreiro, que ainda hoje partilha comigo avultados encargos de tempo e neurónios enquanto subeditora de Sociedade do CM, mas o menu do Nokia guiou-me até ao número do Manuel Catarino.

(há-de continuar...)

Friday, August 10, 2007

Agosto, mês oficial da nudez

Ainda não me converti à praia mas sucessivos verões com passagem por uma vila algarvia levaram a que desta vez condescendesse ao uso de calções e chinelos na via pública. Apesar de a visão dos meus pálidos dedos dos pés me pareça mais obscena do que se resolvesse convencer-me de que o perímetro urbano da vila se havia convertido numa zona naturista.

As praias perto de onde estou

A poucos minutos da casa da minha sogra oficiosa existem duas praias: Carvoeiro e Paraíso. Eu, que não sou nem de perto nem de longe um apreciador de banhismos, prefiro a segunda. Integro uma ínfima minoria, visto que Carvoeiro está sempre cheia de gente e Paraíso mantém-se as mais das vezes deserta. Talvez porque o acesso a essa praia envolve mais de uma centena de degraus de cimento cravados na falésia, o que não faz dela o mais "user friendly" dos areais algarvios. Mas aos meus olhos a dificuldade em chegar a Paraíso só aumenta a sua cotação: não só é uma praia agradável como ainda uma metáfora assaz curiosa.

Wednesday, August 01, 2007

Breve ode aos "trailers"

Aproveitei as minhas últimas folgas para recuperar tempo perdido no que à sétima arte diz respeito. Não só aluguei os DVD de "Notes on a Scandal" e "Thank you for Smoking", os quais me souberam a muito pouco perante as expectativas que neles depositava, como percorri o "site" da Apple para descobrir os "trailers" daqueles filmes que chegarão a cinemas demasiado longe das minhas horas de descanso nos próximos meses. Enquanto o mundo chorava as mortes de Bergman e Antonioni, eu encantava-me com montagens de três minutos e picos das últimas obras de Wes Anderson, Ang Lee e Joel e Ethan Coen. Ver "trailers" é um dos prazeres que não dispenso. Muito embora sejam muitas vezes publicidade enganosa - as pessoas que os confeccionam não são as estrelas mais cintilantes de Hollywood mas conseguem transformar a mais atroz imbecilidade num objecto de desejo para o cinéfilo -, há qualquer coisa na promessa contida num "trailer" - abstraindo, claro está, a esmagadora maioria dos "trailers" portugueses, capazes de provocar gargalhadas pelos piores motivos - que fornece uma saudável e necessária injecção de optimismo em relação ao futuro próximo.

Não deixa de ser legítimo perguntar...

Quantas das pessoas que cumprimentaram António Costa na cerimónia de posse vieram de autocarro de Cabeceiras de Basto?

Thursday, July 26, 2007

Eu pecador me confesso

Inventei um "sketch" estrondosamente blasfemo. Tão blasfemo que nem sequer me atrevo a reproduzi-lo aqui. Limito-me a anunciar que a sua transposição para suporte audiovisual implicaria sapatos de "tap dance", muita água e um actor vestido de modo a parecer uma personagem bíblica que há umas décadas concorreu em popularidade com John Lennon.

Wednesday, July 25, 2007

Parvoíce já testada (com razoável sucesso) na redacção

Será a procriação medicamente assistida um tipo de fantasia sexual em que o casal copula enquanto uma ou mais pessoas vestidas com bata branca assistem, atribuindo nota artística no final do acto?

Tuesday, July 24, 2007

Novidades só no correio

Ao contrário da esmagadora maioria dos mortais, aos quais são endereçadas as enganadoras cartas com os dizeres "você poderá já ter ganho um milhão", tive hoje a felicidade de encontrar boas notícias para a amortização do meu empréstimo bancário na caixa do correio. É só pena que o montante só ultrapasse a fasquia do milhão na pretérita moeda oficial portuguesa.

Monday, July 23, 2007

Curta homenagem à gata Iris

Os abismos da alma humana são insondáveis. Ontem dei por mim a lembrar-me de quando eu e a minha irmã aproveitávamos a missão de dobrar cobertores para transformá-los num parque de diversões para a gata siamesa Iris, cujo despotismo iluminado e de garras afiadas governou a casa da minha mãe durante mais de uma década. A Iris, ainda jovem felina, adorava tentar agarrar-se ao cobertor enquanto lhe dávamos umas valentes sacudidelas, ficando cada vez mais furiosa (e ao mesmo tempo animada) com as nossas tentativas de lhe impedirmos a permanência na lã assaz mais felpuda do que o pelo raso de que a genética a dotara. A Iris morreu de cancro há mais anos do que eu consigo contar, mas até ao final da doença não perdeu a altivez que nos impedia de reagir - ao contrário do que fazíamos com os seus descendentes, intimados de forma musculada a regressar ao chão - quando ela subia à mesa de jantar e esperava com suprema paciência uma dúzia de segundos por uma oferenda, se possível em forma de frango assado, à deusa egípcia que ela julgava ser. Ultrapassado o limite temporal, fazia uso da destreza transmitida em milhares e milhares de gerações e, com um golpe seco da pata dianteira, apoderava-se de almoços e jantares alheios. Ainda hoje trago nas mãos restos, quase invisíveis, de cicatrizes provocadas por tentativas de a contrariar.

Quase me imagino como um dos últimos a sucumbir à "invasion of the body snatchers"...

Serei eu o único ser humano a aperceber-se das crescentes e perturbadoras parecenças, acentuadas pelos respectivos cortes de cabelo, entre José Castelo Branco e Victoria Beckham?

Friday, July 20, 2007

Portugal estará de esperanças?

Quando ouvi José Sócrates anunciar que estava muito preocupado com a baixa taxa de natalidade, temi por segundos que o primeiro-ministro não resistisse ao impulso de instruir aos compatriotas que se fossem fornicar. E a verdade nem andava longe disso: lá foram anunciados mais uns euritos mensais às mulheres portuguesas que optarem pela prossecução voluntária da gravidez.

Sunday, July 15, 2007

Mais um "post" destes e ainda compro um busto do Sá Carneiro

Provável grande derrotado destas eleições intercalares? José Sócrates, sem sombra de dúvida. Não concebo que uma eventual alteração na liderança do PSD possa enfraquecer ainda mais esse partido.

Prognóstico antes do final do "jogo"

E se tudo continuar igual? Tendo em conta que José Couceiro não vê razão para abandonar o cargo de seleccionador nacional na sequência de tudo o que se passou no Canadá, quem garante que o presidente de um partido com ambições de governar Portugal retirará ilações caso o seu candidato à principal autarquia do país fique abaixo dos 15 por cento...

Man with a one track mind (depois de passar pela mesa de voto)

Se o esquerdismo é a doença infantil do comunismo, não será o mendismo a doença senil do nogueirismo?

Abstencionistas, como eu (desta vez, pelo menos) vos compreendo!

Dentro de minutos percorrerei os corredores da Escola Secundária Filipa de Lencastre, aqueles que visito em certos e determinados domingos. Mantém-se alguma indecisão no meu espírito: deverei eu votar no candidato cuja eleição significa que tive razão ao defender o afastamento da anterior gerência do partido a que vou entregando (as mais das vezes e com decrescente entusiasmo) o meu voto, no candidato cujo (muito, muito relativo) sucesso seria uma notícia agradável para uma das pessoas que me é mais próxima neste Mundo ou no candidato que arrasará aquele que é provavelmente o pior líder da oposição de sempre caso logre obter a segunda posição, a larga distância do antecipado vencedor?

Monday, July 09, 2007

Garanto que noutra vida não pertenci aos The Buggles

Mudam-se os tempos, mudam-se as mudanças: é exequível que noutros tempos alguém tenha cantado "gramophone killed the vaudeville star".

Rua Pinheiro Chagas revisited

Hoje de manhã, ao combinar um trabalho de reportagem sobre as candidaturas às vagas das universidades, dei conta que desde aquelas manhãs que passei na Rua Pinheiro Chagas, carregado de impressos e de incertezas quanto ao futuro que talvez viesse a ser brilhante, passaram de-zoi-to anos! Não sei o que pense disto.

Wednesday, July 04, 2007

E agora uma apologia do perjúrio

Qualquer pessoa que já tenha sido testemunha num caso em que o autor ou réu seja seu familiar pode dizer aos restantes mortais que não se trata do prato mais fácil de digerir no cardápio. Gerir a obrigação (moral ou pelo menos legal) de dizer a verdade com a expectativa dos efeitos que essa verdade terá na sentença é sempre difícil e ainda mais árduo se torna quando está em causa um crime de sangue. Dito isto, continua a parecer-me inacreditável que o filho do cabo Costa tenha dito em tribunal que não se recorda se o pai admitiu a autoria das mortes das pobres moças de Santa Comba Dão num telefonema feito logo após a sua detenção. Repare-se bem no teor do telefonema. Seria plausível que o filho do cabo Costa se esquecesse das considerações paternas acerca da decoração da cela, da qualidade da comida, da simpatia dos guardas prisionais, mas ao afirmar que não se recorda se o responsável pela sua existência admitiu ser um assassino, a testemunha gozou com o tribunal e deveria receber a devida punição. Para defender o progenitor seria, paradoxalmente, mais honesto optar pelo perjúrio.

Os meus hábitos irritantes (1)

Mais vezes do que seria admissível (e uma só vez chegaria para ultrapassar esse limite), digo "tchau, loser!" aos apresentadores de programas no preciso momento em que desligo a televisão antes de sair de casa para ir trabalhar.

Monday, June 25, 2007

Uma minificção canalha para dar início à semana

Só numa madrugada de insónias em que prestou mais atenção do que o habitual às intempéries profetizadas nos antípodas pela apresentadora da meteorologia de uma televisão estrangeira é que Eufrasino Boaventura percebeu a fina ironia cósmica de o seu nemésis na repartição pública, aquele que ano após ano sempre ficou um passo à sua frente em cada promoção, se chamar Vitorino.

Sunday, June 24, 2007

Metade já passou, agora falta outro tanto

Ou isso ou os corvos do S. Vicente

Floresce em mim a ideia de num punhado de segundos, sem exagerar nos pormenores da pelagem e do número de dedos e de garras em cada pata, desenhar um dos gatos vampirescos que incessantemente traço durante as reuniões de edição quando na mesa de voto me entregarem o boletim de voto através do qual eu e o restantes lisboetas seremos chamados a escolher o próximo presidente da câmara municipal.

Adivinhem quem veio "postar"

Reparo, após tantos dias de falta de contacto com o Blogger, que o "post" anterior a este havia sido o número 800 do Papagaio Morto. Abstraindo a enorme quantidade de chico-espertices, piadas ácidas e considerações vagamente político-ideológicas acerca da vida neste rectângulo e no resto da Planeta Terra, uma razoável parte destas oito centenas de "posts" guardam, através dos eméritos serviços de uma "corporation" norte-americana, pedaços da magnífica tragicomédia da vida humana que testemunhei enquanto observador nem sempre excessivamente interveniente. Ainda bem: como diria o líder dos replicantes no "Blade Runner", as memórias são momentos perdidos no espaço, tal qual lágrimas na chuva. Mas por vezes valem mais do que mil imagens, visto que, mais do que as fotografias ou os retratos, são como um barro que podemos moldar a nosso bel-prazer.

Sunday, June 10, 2007

Dia de aniversário de um pedinte distinto

Seguia carregado com sacos de plástico cheios de jornais diários, camisas de verões passados resgatadas do armário da casa da minha mãe e uma tarte de maçã do Pingo Doce praticamente por estrear quando o cavalheiro me interpelou. Os raios de Sol que dominavam o cenário junto ao King Triplex e ao Teatro Maria Matos dificultaram a missão, mas reconheci-o de imediato. Não só o homem empregava um português perfeito, o que vai sendo raro numa classe profissional dominado por oriundos de Timisoara, como são raras as pessoas vestidas de forma tão distinta cuja missão é pedir esmola a quem com elas se cruza. Tal como da primeira vez que nos encontrámos, há uns quantos meses, o homem de cabelos brancos, barba bem aparada e camisa imaculada demorou a chegar ao assunto. Quando finalmente me disse o que já esperava - parecia impossível, mas estava a pedir-me esmola (imaginem a palavra "esmola" pronunciada de tal forma que, caso o diálogo fosse escrito e não falado, não desmereceria um itálico...) -, apressei-me a fazer aquilo que o mestre Álvaro de Campos descreveria como dar~lhe "tudo quanto tinha (excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro)". Concluída a operação, o homem fez questão de continuar a falar comigo, ignorando o calor tórrido e o facto de ter acabado de ficar um pouco mais próximo da possibilidade de jantar. Disse-me o quanto o desemprego é uma coisa terrível e eu, que nem tenho assim tão má memória, concordei. Suponho que ali ficaríamos largos minutos não fosse o facto de os sacos estarem pesados e o relógio não ter função de "pause" embutida. Despedi-me do homem e ele fez questão de me dar um aperto de mão firme, de homem, e de anunciar que hoje era o seu 60.º aniversário. Dei-lhe os parabéns, voltei a acelerar a passada e durante um número razoável, mas não excessivo, de minutos criei uma agência de apostas dentro do meu cérebro: se a triste história fosse verdadeira a casa pagaria três euros por cada um investido, subindo o prémio para cinco euros caso o cavalheiro tivesse problemas mentais que o levassem a considerar-se um mendigo e chegando a nove euros se tivesse engendrado a triste narrativa para apurar até que ponto são ingénuos os seus concidadãos. Mas de qualquer forma eu saí a ganhar: ajudar alguém que passa necessidades ou levá-lo a convencer-se de que ainda subsiste alguma solidariedade nas ruas de Lisboa é um objectivo que valeu o sacrifício de uma moeda de dois euros que me estava a fazer peso na carteira.

Um novo vício de Leonardo Ralha


Visto que na esmagadora maioria das horas em que estou desperto tenho barreiras intransponíveis ao Blogger, ganhei o hábito de aproveitar segundos mortos para observar as imagens híbridas (mistura de mapa rodoviário com imagens de satélite) disponíveis no fantástico Maps.Google. É assim que observo do alto, qual aspirante a Criador de Todas as Coisas, a minha casa, a casa do meu avô paterno, a aldeia em que o meu avô materno nasceu, o mercado municipal viseense que esmagou o expropriado jardim que servia de passatempo à minha avó materna, a esplanada do Sven frente à Praia de Carvoeiro que tão cedo não conseguirei visitar... A paz que retiro deste exercício é tão grande que ainda nem comecei a recorrer ao mesmo "site" para observar locais onde nunca estive, como Manhattan, Los Angeles, Tóquio ou Singapura.

Uma pergunta em jeito de parábola

Dou alvíssaras ao historiador que me esclareça uma singela dúvida: como é que os remadores das galés romanas ocupariam as suas folgas semanais?

Tuesday, June 05, 2007

À noite todos os gatos são pretos


Ao longo da semana passada deu-se uma coincidência bizarra: em três das sete vezes que arrastei o meu corpo no percurso entre a redacção do "Correio da Manhã" e as minhas humildes assoalhadas, escassos minutos antes ou depois das onze horas da noite, cruzei-me com um gato preto*. Em duas ocasiões (terça-feira e domingo), o gato* estava na Avenida João Crisóstomo, mas um dos avistamentos ocorreu na esquina da Avenida João XXI com a Rua Augusto Gil (quarta-feira), a dezena e meia de metros da porta do meu prédio. Suponho que a esmagadora maioria das pessoas ficaria aterrada caso tal coisa lhes sucedesse. Algumas por padecerem da tenebrosa doença chamada superstição, outras por estarem a sair do emprego às onze da noite. Eu tenho mais sorte: gosto imenso de gatos pretos, e não raras vezes dou por mim a considerá-los as mais perfeitas criaturas da Natureza, admirando-lhes a felina altivez do olhar e a extrema elegância dos movimentos. Quanto à hora de chegada a casa sobra-se a compensação de que pelo menos assim não me dou ao trabalho de escolher o lado da rua que tem mais sombra.

* Estou em crer que se tratava de uma gata. Não por ter procedido a um qualquer exame médico - quando digo que gosto imenso de gatos pretos cumpre esclarecer que não gosto deles da mesma forma que um dos suspeitos do rapto da pequena Madeleine McCann aparenta gostar... -, mas por a estatura do felino em questão levar-me a presumir o seu género. A parte mais estranha da coincidência ainda é a minha convicção de que se tratava do mesmíssimo animal nas três ocasiões.

Monday, June 04, 2007

Eu e a espada do meu pai


Imaginem uma nova versão de uma velha história. Artur aproxima-se da espada Excalibur, contempla a beleza da arma de guerra, apercebe-se de que poderá ser o homem capaz de a separar da rocha mas, apesar disso - ou justamente por causa disso -, decide virar-lhe costas e seguir o seu caminho. Aconteceu-me mais ou menos isto há pouco mais de três horas, numa das visitas ao meu avô que me esforço por serem menos intervaladas desde que, há apenas quatro semanas, o meu pai morreu. Há muito tempo que não descia da casa para o jardim, no qual o José Ralha investiu milhares de contos, fazendo as delícias dos vendedores de palmeiras e afins da Margem Sul. Cruzei o relvado onde tanto corri noutras décadas e, após folhear a imprensa diária à sombra de uma estrutura metálica que a imaginação transformou numa gigantesca gaiola para pássaros, aventurei-me a atravessar o riacho de águas turvas e peixes vorazes que divide a meio a Casa do Outeiro. Percorri o trilho empregando o máximo de precaução para evitar esmagar as flores que tingem de cores vivas aquela parcela de terreno e em poucos segundos cheguei ao que na minha infância era a casa do Sr. João, o caseiro de pele curtida ao Sol e dono de um rafeiro chamado Cubillas que tomava a seu cargo a subsistência das plantas do meu avô. De há uns anos para cá a habitação, espaçosa mas assaz despojada, havia sido anexada pelo meu pai, que dela fizera uma espécie de "atelier". Não me admirei por tudo ali permanecer tão caótico como ele provavelmente terá deixado, sem imaginar que não haveria amanhã, jazendo diversas versões das suas peculiares naturezas mortas junto a arbustos e às enormes tijelas em que os gatos vadios que ele adoptara são ainda alimentados com biscoitos que o meu felinofóbico avô se recusa a custear. O que realmente me espantou foi a espada cravada na terra. Não uma das espadas reluzentes que o meu pai guardava em casa, mas sim uma de tal modo enferrujada que parecia ter saído já assim da forja. Aproximei-me do objecto estrangeiro às minhas memórias, calcando a espessa relva que cresce naquelas paragens, e não resisti a tentar retirá-la do solo. A primeira tentativa foi quase risível: sobrevalorizara o poderio da minha mão direita e a terra resistiu à investida sem dificuldades de maior. Tentei novamente, desta vez com ambas as mãos. Após um instante de incerteza senti a proximidade do triunfo, pois a espada elevou-se alguns centímetros. Suponho que bastaria um novo puxão para a erguer em direcção ao céu, o que teria o seu quê de infrutífero na medida em que nem um sol tão abrasador quanto o desta tarde lograria fazer reluzir uma espada tão ferrugenta quanto aquela. Talvez por isso, ou talvez por outra razão qualquer, desisti do meu vazio intento. Usei novamente da força braçal, mas desta vez para assegurar que a espada do meu pai ficaria cravada ainda mais fundo. E, posto isto, virei-lhe costas e segui o meu caminho.

Sunday, May 27, 2007

E lá veio o prémio de compensação...

Confesso: fiquei mais contente com o único golo que hoje aconteceu no Estádio Nacional do que a sua principal consequência. Não ligo assim tanto à Taça de Portugal para festejar o prémio de compensação uma semana depois de o título de campeão ter falhado a metamorfose do virtual para o real. Já o golo que decidiu o Sporting-Belenenses foi tão bonito quanto simbólico da temporada 2006/2007. Liedson resolveu, mas nada de significativo teria acontecido não fosse a força e o saber-fazer de Miguel Veloso, brilhante naquele cruzamento como tantas vezes foi a executar tantas outras jogadas. O ex-repositor de supermercados e o ex-patinho feio das camadas juvenis do Benfica estão de parabéns.

Um fugaz sinal de que é plausível ter esperança

Hoje de manhã as ruas da cidade de Lisboa foram percorridas por um autocarro da Carris cuja motorista aproveitava cada sinal vermelho para avançar na leitura do calhamaço de Tolkien que escolhera para a acompanhar durante a jornada de trabalho.

Saturday, May 26, 2007

Fim de expediente na Telepizza


O destino conduziu-me, poucos minutos antes das onze da noite de quinta-feira, à Telepizza situada no cruzamento da Óscar Monteiro Torres com a Oliveira Martins. A encomenda já tinha sido feita quando eu ainda procurava carta de alforria de mais uma edição do “Correio da Manhã”, pelo que a missão parecia simples: chegar antes de os representantes da geração do emprego precário decidirem encerrar portas, pedir a Pizza Terra requerida por um determinado número de telemóvel, retirar uma quinzena de euros da minha carteira já ligeiramente gasta pelas entradas e saídas dos bolsos dos casacos e carregar um jantar alternativo até ao quarto andar esquerdo do melhor número de polícia da Rua Augusto Gil.
Puro engano. Quando o táxi me descarregou na supracitada esquina de Lisboa a Telepizza ainda se encontrava em horas de expediente mas os seus funcionários aparentavam partilhar uma letargia pós-coital – suponho que faz algum sentido, visto que haviam sido copulados pela entidade empregadora ao longo das horas anteriores – e foi a custo que logrei ver a minha presença reconhecida por uma rapariga cujo ânimo aparentava ter sido removido num complexo acto cirúrgico. Depressa percebi que a Pizza Terra – desprovida de cebolas mas com todo o tomate e azeitonas que um homem de boa vontade pode desejar – ainda era mais massa do que jantar e aproveitei para hibernar alguns minutos, abstraindo-me do mundo apesar de carregar na mão direita a pasta carregada de papéis que denunciava o meu estatuto de trabalhador que não está sujeito à tirania da ida para casa às seis, sete ou oito da noite. Assim teria permanecido todo o tempo necessário para a conclusão do projecto alimentar no forno industrial instalado frente aos meus olhos não fosse ter a felicidade de testemunhar o drama do quotidiano que passarei a descrever.
Nunca cheguei a ver a personagem principal. Só sei que se trata de um homem, visto que a co-protagonista da história várias vezes o tratou por “senhor”. Talvez seja novo, talvez seja velho, talvez seja entre uma coisa e outra, assim como eu começo a estar. Branco, negro, amarelo ou azul, é provável que também não lhe tenha apetecido fazer jantar na noite de quinta-feira. E telefonou para a Telepizza. A sua noite poderia tornar-se a partir daí banal, não fosse ter uma morada desaconselhável. Isto, claro está, a acreditar na reacção dos funcionários ao longo dos minutos seguintes. A rapariga que com ele falava tentou dizê-lo da forma mais delicado possível, mas a realidade abatia-se como um bloco de 16 toneladas: nenhum entregador de pizzas estava na disposição de trocar o sobreaquecido conforto da esquina da Óscar Monteiro Torres com a Oliveira Martins por um bairro onde nada de bom poderia acontecer.
Posso jurar que o homem que queria jantar pizza deu o seu melhor. A rapariga, assaz perturbada com as reservas que colocava ao cliente que supostamente tem sempre razão, garimpou soluções. Talvez ele pudesse deslocar-se até à esquadra da PSP mais próxima, assegurando que o olhar vigilante dos agentes dissuadiria a inevitável ocorrência de um assalto. Mas não. A esquadra ficava a um quilómetro. Feitas as contas, dois mil metros, metade dos quais com uma caixa cartonada de pizza fumegante e oleosa nas mãos, estariam longe de ser o complemento mais agradável para uma jornada que se adivinhava ter sido difícil – quem no seu perfeito juízo encomenda pizza a poucos minutos das onze da noite de uma quinta-feira se o dia tiver sido fácil? Depois de ouvir isto, a rapariga fardada de vermelho iniciou um diálogo tenso com o entregador de sotaque brasileiro, quase que regateando uma última saída com os ridículos veículos de dois rodas que cruzam todas as ruas de Lisboa. Ou, melhor dizendo, quase todas as ruas de Lisboa. O aparente imigrante mostrou-se inflexível. Não lhe apetecia ter uma navalha encostada ao estômago, ou à garganta, ou adivinhar futuras reprovações do supervisor. Não, não e não. Se dele dependesse, o homem que continuava do outro lado da linha poderia muito bem morrer de fome. Ninguém no seu perfeito juízo iria àquela rua, daquele bairro, àquelas horas da noite.
O homem que queria uma pizza fez uso de todos os argumentos que tinha ao seu dispor. Para início de conversa, junto à sua casa estava ainda aberto um café. Haveria, portanto, movimento e nunca ninguém arriscaria assaltar. Pelo menos foi isto o que a rapariga fardado de vermelho disse ao entregador brasileiro. Este não alterou a rigidez do rosto e da vontade. Fazer chegar uma pizza a tais coordenadas seria pouco menos do que um suicídio. Ninguém no seu perfeito juízo o faria e ele tinha-se em conta de proprietário de uma mente sã e de um corpo que assim pretendia permanecer. O impasse instalou-se, a conta telefónica do candidato a cliente continuava a agravar-se e por essa altura eu já desejava que a Pizza Terra demorasse mais uns minutos a ficar pronta, visto que nos dramas reais – ao contrário dos livros e dos filmes – é impossível ir directo à última página ou accionar a função de “fast forward”. E, mais do que sentir compaixão pelo homem da rua perigosa, pela rapariga que atendeu o telefone e pelo entregador – personagens de um drama irresolúvel em que não me permitia discernir quaisquer herói ou vilão -, eu queria por essa altura saber o fim da história.
Estava perdido nestes pensamentos quando a rapariga fardada de vermelho tomou uma decisão. Pediu de forma educada ao homem que queria pizza para aguardar mais uns instantes e rumou ao interior do rés-do-chão daquele prédio de esquina da Óscar Monteiro Torres e Oliveira Martins. Segundos depois regressou com um homem que, embora trajando vestes tão juvenis quanto as dos colegas, tinha voz de superior hierárquico. O recém-aparecido disse algo misterioso ao entregador brasileiro e este, manifestamente contrafeito, desceu o queixo uma dezena de graus abaixo do ângulo recto. Acabara de ser derrotado mas ainda assim procurou ver estabelecidas condições. Queria que o cliente estivesse à porta do prédio quando a motoreta lá chegasse, assegurando que a troca de pizza, notas e moedas decorreria numa porção de segundos diminuta ao ponto de não atrair a atenção de inimagináveis predadores. O homem apresentou uma contraproposta: ficaria à janela e desceria logo que avistasse a chegada do jantar. Chegou-se a um acordo e iniciou-se a produção da pizza, certamente a última que sairia do forno nessa quinta-feira.
Fui para casa com a secreta esperança de que nada de mal acontecesse na rua perigosa de um bairro suficientemente próximo daquele em que vivo para ficar na zona de influência da mesma Telepizza. Talvez o homem quisesse mesmo terminar o dia com o estômago mais guarnecido. Talvez o entregador regressasse são e salvo e fosse de seguida descansar ou divertir-se antes de o despertador começar a dar ordens. Talvez a rapariga não se arrependesse de confiar na bondade dos propósitos do homem com quem falou ao longo de vários minutos.
Pela minha parte não tive grande sorte. A Pizza Terra não era grande coisa.

Thursday, May 24, 2007

Palavras de Donald O'Connor (mas eu assino por baixo)

Make'em laugh!

Though the world is so full of a number things,
I know we should all be as happy as
But are we?
No, definitely no, positively no.
Decidedly no. Mm mm.
Short people have long faces and
Long people have short faces.
Big people have little humor
And little people have no humor at all!
And in the words of that immortal buddy
Samuel J. Snodgrass, as he was about to be lead
To the guillotine:

Make 'em laugh
Make 'em laugh
Don't you know everyone wants to laugh?
(Ha ha!)
My dad said "Be an actor, my son
But be a comical one
They'll be standing in lines
For those old honky tonk monkeyshines"

Now you could study Shakespeare and be quite elite
And you can charm the critics and have nothin' to eat
Just slip on a banana peel
The world's at your feet
Make 'em laugh
Make 'em laugh
Make 'em laugh

Make 'em...
Make 'em laugh
Don't you know everyone wants to laugh
My grandpa said go out and tell 'em a joke
But give it plenty of hoke

Make 'em roar
Make 'em scream
Take a fall
But a wall
Split a seam

You start off by pretending
You're a dancer with grace
You wiggle 'till they're
Giggling all over the place
And then you get a great big custard pie in the face
Make 'em laugh
Make 'em laugh
Make 'em laugh

Make 'em laugh
Make 'em laugh
Don't you know... all the...wants..?
My dad...
They'll be standing in lines
For those old honky tonk monkeyshines

Make 'em laugh
Make 'em laugh
Don't you know everyone wants to laugh?

Ah ha ha ha ha ha há
Ah ha ha ha ha ha
Ah ha ha ha ha ha ha
Ah ha ha ha ha ha ha ha ha
Make 'em laugh, ah ah!
Make 'em laugh, ah ah!
Make 'em laugh, ah ah!

Make 'em laugh
Make 'em laugh
Make 'em laugh!

Lá vai Lisboa, com a saia cor do mar

Encaro as eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa com entusiasmo nulo. Suponho que acabarei por votar num candidato que provavelmente nem conseguirá chegar a vereador, mas o que me realmente assusta é leve possibilidade de entregar pela segunda vez o meu voto a Carmona Rodrigues. Não por acreditar que ele tenha passado como uma brisa pelos lamentáveis acontecimentos dos últimos meses mas pela antevisão da imagem de Marques Mendes a reagir a um resultado humilhante - e do qual nem com dotes de malabarismo conseguirá desenredar-se - para o PSD.

Tuesday, May 22, 2007

Anúncio oficial a quem aqui venha parar

O autor do Papagaio Morto agradece mais do que possam imaginar a todos quantos tiveram a amabilidade de comentar os últimos "posts". A vida continua e o blogue também. Existe um longo texto, sombrio mas necessário enquanto catarse, em "draft", pairando qual espada de Damocles sobre os vossos monitores, mas farei o meu melhor para regressar depressa e em força ao "core business" do blogue: ironia, sátira e flagrantes da vida real com um ligeiro toque de surreal.

De volta ao meu pequeno mundo


O meu Sporting, aquele que em tempos recentes não chegava ao Natal, chegou a ser campeão virtual durante alguns minutos em dois fins-de-semana consecutivos. É pouco, muito pouco, mas superou em muito as minhas sombrias expectativas perante a exiguidade do jovem plantel que o honesto e realista orçamento do clube de Alvalade e Alcochete permitiu. Já no plano individual acabo de descobrir que tenho outra coroa de glória: não só fui o 148.º no ranking da Liga Record - e um dos claros sinais de masculinidade pós-moderna é perder alguns minutos por semana com jogos de "fantasy football" - como logrei ser o concorrente melhor classificado de entre os jornalistas. Quererá isto dizer que o meu futuro passa pelo jornalismo desportivo ou - quem sabe? - pela gestão de activos numa SAD? O futuro o dirá. Pela minha parte ficam os sentidos agradecimentos aos futebolistas Helton, Diego Benaglio, Caneira, Bosingwa, Patacas, Carlos Fernandes, Pepe, Tonel, Miguel Veloso, Marcos António, João Moutinho, Raul Meireles, Rodrigo Tello, Lisandro Lopez, Zé Manuel, Ricardo Sousa, Bruno, Liedson, Yannick Djaló e Varela. Sem as suas boas prestações nos relvados deste Portugal eu não teria conseguido esta pequena alegria. E Deus sabe o quanto dependemos das pequenas alegrias.
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