Thursday, November 30, 2006

Regressemos ao mundo lá fora

Um casal sequestra uma deficiente mental de 19 anos e ocupa mais de 48 horas à tarefa de a converter numa daquelas bonecas insufláveis a quem nem falta saber dizer "mamã". Não cesso de me admirar com a permanente ultrapassagem dos limites da pulhice humana.

Retrato dos convocados para uma reunião de "qualificados"

São da minha geração. Alguns um pouco mais velhos, outros um pouco mais novos. Homens e mulheres em percentagens semelhantes. Suponho que quase todos recém-desempregados. Apesar de o dia estar bonito, estranho desde logo o número de pessoas que insistem em carregar óculos escuros. Embora sejamos - espero que temporariamente - parceiros de infortúnio, ninguém está interessado em manter contacto visual. Como numa carruagem do metropolitano, mas com o inconveniente de estarmos parados. Mais tarde, já na sala cheia de gente onde a técnica do IEFP apresenta cursos de formação de variável interesse e relevância, vêm ao de cima alguns traços de personalidade daqueles estranhos que receberam na caixa do correio uma convocatória igual à minha. Há quem conteste a política de emprego do actual Governo, há quem sublinhe a vontade de aproveitar o tempo para procurar emprego em vez de ter aulas de informática do ponto de vista do utilizador, há quem explique que tem filhos pequeninos e precisa de os criar... Por instantes deixo a mente deslizar para a série "Lost", a mais recente das minhas obsessões. E se aquelas duas dezenas de almas à minha volta fossem sobreviventes da queda de um avião numa ilha tropical? Ser-me-ia fácil assumir o papel de Jack apesar de a formação de jornalista não ter grande utilidade nesse cenário? E quem poderia ser o Sawyer ou o Locke? Resta-me sossegar a minha "better half": sem desprimor para as presentes na reunião de "qualificados" à espera de melhores dias, verifica-se uma distinta ausência de candidatas a Kate.

Apanhado na teia do Estado

Um ser humano sabe que a sua vida tem que dar uma grande volta quando repara que nos quatro dias úteis de uma semana conseguiu visitar o Tribunal de Comércio de Lisboa, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, um bairro fiscal da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos e um centro do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Se amanhã não houvesse o primeiro aniversário da minha sobrinha mais nova para comemorar ainda arriscava visitar uma certa e determinada esquadra da Polícia de Segurança Pública para inquirir se, mais de dois meses após o infausto evento, já existe alguma ideia quanto ao proprietário das impressões digitais que foram deixadas na minha casa em troca de uns milhares de euros em haveres e de muitas horas de consternação perante aquilo que perdemos e preocupação de evitar que o mesmo volte algum dia a acontecer.

A primeira lei universal de Leonardo Ralha

A estridência do toque polifónico de um telemóvel é directamente proporcional à grossura do cordão de ouro à volta do pescoço (se o utilizador pertencer ao sexo masculino) ou à percentagem de pele descoberta apesar de ter menos hipóteses do que Odete Santos de receber uma proposta milionária para aparecer na capa da próxima edição da "Maxmen" (se o utilizador pertencer ao sexo feminino).

Do nosso enviado especial ao Centro de Emprego de Picoas

Será que música "pop" (nomeadamente o "Maneater" de Nelly Furtado) é a melhor banda sonora para tão desoladora localização quanto a sala de espera de um centro de emprego? Permito-me sugerir que o Adagio de Albinoni e o homólogo de Samuel Barber seriam mil vezes mais adequados. Mas caso a ideia seja mobilizar as desanimadas hostes então "Fanfare for the Common Man", de Aaron Copland, poderá ser uma escolha acertada.

Wednesday, November 29, 2006

Carmona vai em frente, cada vez mais indigente!

Escrevi há bastante tempo, ainda no saudoso Acidental, que o primeiro voto no PSD nunca se esquece. Continuo a manter esta opinião mas não me importava de ter um ataque fulminante de amnésia sempre que Carmona Rodrigues desmerece mais um pouco o meu modesto contributo para a sua vitória nas autárquicas. O mais recente episódio, com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa a "explicar" os motivos do fim da aliança com o CDS/PP precisamente numa reunião em que a ausência da vereadora Maria José Nogueira Pinto tornava a árdua tarefa menos difícil, demonstra um evidente e perturbador défice de coragem e capacidade de confronto. Mas o que realmente me gela o sangue é a questão de fundo: o homem que os lisboetas escolheram para gerir a cidade durante quatro anos cedeu, sem pestanejar, à mesquinha pressão de Marques Mendes e afastou uma pessoa (competente ou não) pelo simples facto de ter apoiado Luís Filipe Menezes. Ao fazê-lo, Carmona não só aceitou ser capacho como cometeu um inaceitável erro de cálculo: os 119 mil votos com que foi eleito para liderar a capital conferem-lhe uma legitimidade muito superior à que 18 mil militantes social-democratas deram a Marques Mendes nas directas.

Paz na terra para os funcionários públicos de boa vontade

Na segunda-feira foi a uma repartição de finanças situada nas imediações de um bairro assaz sinistro e subi umas boas dezenas de degraus. Entrei numa sala e vi, instalados num arquípelago de mobiliário de escritório desgastado, o Coelho da Páscoa, o Autarca que Nunca fez uma Rotunda, o Presidiário que Admite ter Feito o Crime pelo qual foi Condenado, o Monstro de Loch Ness, o Abominável Homem das Neves e o Funcionário Público Diligente e Atencioso que em Poucos Minutos Resolveu um Problema Complicado. Aqui fica o meu imenso (e beirão) "bem-haja" para o último desse rol de seres de que muitos duvidam haver provas reais de existência.

Vamos subverter a agenda cultural

Entre os filmes que pretendo ir ver ao cinema estava até há poucos dias "Juventude em Marcha", do realizador português Pedro Costa. Mudei de ideias quando percebi que, apesar do título enganador, a longa-metragem não era um "biopic" da atleta olímpica Susana Feitor.

A importância do número 500...

...é nenhuma. Mas ao longo dos últimos dias - por entre más notícias recebidas através do teletexto, negociações com o fisco e correrias entre o Tribunal de Comércio de Lisboa e a Segurança Social - dei por mim a sofrer de "blogger’s block" devido à iminência do "post" que ficará registado com tão redondo número. Cheguei a planear escrever algo terrivelmente programático ou até mais intimista do que é meu costume - até já tinha umas ideias alinhavadas para comparar a minha personalidade com a da personagem Jack que Mathew Fox tão bem interpreta no "Lost" (ele, devido à menor abundância de quilogramas, tem o rosto mais quadrado, mas ambos tendemos a sofrer de complexo de mártir...) -, mas o ecrã permanecia em branco. Também podia partilhar alguns pensamentos macabros sobre um rol de quatro pessoas que de bom grado colocaria num engenho que foi fatal para outras quatro que ouso considerar fazerem mais falta ao mundo do que aquelas que tinha em mente. Ou seguir o exemplo da outra blogger Ralha e tecer considerações acerca de um reles (ainda que insignificante) protozoário que ciclicamente prova a sua existência através de processos judiciais mais idiotas do que os interpostos pela mãe do Eminem. Mas tudo isso saber-me-ia a pouco. Suponho que a única importância que reconheço ao "post" número 500 é o facto de preceder o 499 e anteceder o 501. E, assim sendo, o Papagaio Morto segue dentro de instantes.

Monday, November 27, 2006

Um terrível desperdício de quatro vidas

Foi às três e muito da passagem de sábado para domingo que o anódino teletexto confirmou que os quatro portugueses mortos numa queda de avião no Chile não eram completos estranhos. Três deles (César, Maria José e Cláudia) pertenceram à turma anterior à minha no curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. E eram amigos desde esses tempos imemoriais da minha amiga Paula Lobo, que por esta altura estará a atravessar um sofrimento que não me atrevo a imaginar. Ao longo dos últimos dias muito se falou nas quatro vítimas do estúpido desastre. Tocou-me sobretudo a homenagem prestada pelo "Record" aos dois camaradas (César de Oliveira e André Romeiras) que não mais voltarão a entrar na redacção enlutada e duvido que nos tempos mais próximos consiga esquecer a impossível crónica de última página que Alexandre Pais escreveu na edição de domingo. Também o "Diário de Notícias" tem feito o possível por fazer justiça à memória da "Zé", mostrando aos leitores que ela era mais do que uma assinatura no final ou no início de cada uma das muitas peças jornalísticas feitas ao longo de mais de uma década no prédio da Avenida da Liberdade. Resta a Cláudia, que trabalhava numa agência de comunicação e talvez por isso tende a ficar esquecida na imprensa. Conheci-a de vista na Avenida de Berna e mais tarde reencontrei-a graças à Paula Lobo. Nunca foi particularmente próximo dela e há de certeza centenas de pessoas capazes de lhe traçar melhores retratos. Resta-me dizer que sempre me pareceu uma miúda cheia de vida e de alegria. O que aconteceu nas cordilheiras do Chile foi um terrível desperdício de quatro vidas que ainda não iram sequer a meio daquilo que teriam a fazer. E a compensação de terem desaparecido para sempre enquanto faziam algo de que tanto gostavam não vale nada.

Friday, November 24, 2006

Episódio da vida real assaz canalha para terminar a semana

Quão afortunadas eram as personagens bíblicas! Hoje entrei num certo e determinado lugar e pedi para ler certos e determinados papéis cujo conteúdo está intimamente relacionado com o meu passado, presente e futuro. Em verdade vos digo que ninguém me alertou para a ténue possibilidade de me converter em estátua de sal...

Thursday, November 23, 2006

Bloqueiem as auto-estradas da informação antes que seja tarde

Uma avaria geral da Netcabo levou a que eu e muitos outros privilegiados com residência nas proximidades da Avenida de Roma ficássemos sem acesso à internet durante quase todo o dia. Não fiquei muito surpreendido ao constatar que, por estranha coincidência, trabalhei mais hoje do que no resto da semana.

Wednesday, November 22, 2006

Crónica de solidariedade intergeracional sportinguista

A única recordação positiva que irei guardar de mais uma inglória passagem pelo Giuseppe Meazza foram as circunstâncias em que assisti ao desafio. Na ressaca das minhas divergências com a TV Cabo e sem companhia para demandar um bom restaurante em que o ecrã gigante esteja incluído no "couvert", tomei a decisão de rumar ao vizinho centro comercial Aqua Roma. Encomendei rolo de carne pós-aquecido e sentei-me na única mesa vaga em torno dos cristais líquidos ou gases raros em formato 16 por 9 que havia sido direccionado para a emissão da Sport TV, tendo por companhia dezena e tal de jovens e ruídosos adeptos do meu clube. A dado momento o segurança dirigiu-se aos valentes moços e moças e postulou que estavam proibidos de fazer barulho, entoar cânticos e proferir obscenidades. Justificou tais directivas com a necessidade de preservar o sossego dos demais frequentadores do "food court". Depois de ouvir tal sentença senti necessidade de fazer meus os assuntos alheios e interpelei o uniformizado cavalheiro, assegurando-lhe que quem estava àquela hora à frente da televisão seria certamente sportinguista e não se importaria com o ímpeto da rapaziada-ouçam-lá-o-que-vos-digo. Posso garantir que uns quantos moços e moças com idade para serem meus filhos (sobretudo se a minha adolescência tivesse decorrido num bairro social e numa aldeia perdida na serra) ficaram a olhar para mim com admiração. Mesmo os que uma hora mais tarde, pressentindo a inevitabilidade da derrota, enveredaram pelo consumo de substâncias ilegais enroláveis e combustíveis. Suponho que o cheiro adocicado acabará por abandonar o meu blusão se amanhã o deixar todo o santo dia a arejar...

Desilusão às sete e quarenta e cinco em ponto

Não foi desta. Em vez do habitual dois-a-zero-e-vão-para-casa, um único e mísero golo de Crespo resolveu os assuntos entre o Inter de Milão e o Sporting de Portugal. Cumpriu-se a lógica de um sorteio em que o terceiro do pote calhou com dois dos gigantes europeus, cumpriu-se a abissal diferença de orçamentos, cumpriu-se a falta de fé de quem tem a firme convicção de que o único sítio onde David derrota Golias é naquele célebre livro que costuma habitar a gaveta das mesas de cabeceira dos hotéis.
[e, no entanto, houve aquele lance em que Tonel quase marcou de cabeça; e todos aqueles remates de Nani a pedir que a fortuna orientasse a bola para o magnífico encaixe entre a barra e o poste; e o insólito dos dois laterais-direitos lesionados logo no início da primeira parte; e aquele lance duvidoso com um par de jogadores do Sporting caídos na grande área do Inter no último minuto do tempo de desconto]
Não foi desta. Foi como tinha de ser.

Já estou a contar os segundos...

Bem sei que a tradição diz que o Sporting perde por duas bolas a zero quando visita o Inter de Milão. Mas acredito que a tradição já não é o que era. E tenho esperança que Tonel e Nani tenham a mesma crença.

Subsídios para a absoluta renovação do cinema português

E que tal um filme cuja acção decorra nos meios da alta finança e tenha cenas de exteriores na Lapa ou na Quinta da Marinha mas em que todos os diálogos de personagens brancas, louras e de olhos azuis sejam ditos em crioulo?

Um por todos e todos por um

Estava tranquilo no meu escritório quando ouço barulhos que aparentam ter proveniência nos estores da minha vizinha de provecta idade. Logo nasce a esperança de apanhar o incompreendido peregrino das varandas alheias que já assaltou a minha casa e tentou repetir a proeza metros ao lado. Abro a janela do escritório o mais silenciosamente possível e retiro os trincos dos estores, elevando-os de seguida. Nenhum gatuno sai disparado a correr, mas em troca ouço a minha vizinha. "É o senhor que aí está ou é algum larápio?", pergunta a senhora. Asseguro-lhe que sou mesmo eu e que estava apenas a tentar perceber se alguém a estaria a tentar assaltar. De seguida agradecemos um ao outro o cuidado. Suponho que deve ser isto o que se chama boa vizinhança.

Tuesday, November 21, 2006

Cada qual tem a "daytime television" que merece

Que me perdoam Fátima Lopes, Manuel Luís Goucha, Jorge Gabriel e respectivos elencos de apoio: felizmente há programas da manhã que não foram pensados para reformados. O dia pode até ter ficado cinzento mas ninguém me tira o gozo de, ainda recém-acordado, haver testemunhado a passagem do actor britânico Sacha Baron Cohen, possuído pelo seu heterónimo Borat, pelo programa de entrevistas de Conan O‘Brien. Melhores momentos? A tentativa perpetrada pelo homem mais odiado no Cazaquistão de rapar os "valiosos pêlos púbicos ruivos" do apresentador e o espanto demonstrado após uma visita a Amesterdão. É que na capital do país natal de Borat "também há um ‘red light district’, só que muito pequeno: é onde ficam as mulheres que não são prostitutas”.

Menos mal: somos mesmo uma democracia

Lamento informar o senhor José Saramago que, a acreditar num estudo do Economist Intelligence Unit ontem divulgado, afinal Portugal é uma "democracia plena". Trata-se, aliás, de uma das escassas 28 existentes no planeta, lideradas pelos habituais países escandinavos mas em que surgem igualmente a Austrália, o Japão, o Uruguai e a Holanda. Apesar de não estarem particularmente bem classificados no "ranking", também por lá andam os Estados Unidos, o Reino Unido e a França. Mais abaixo, no escalão das "democracias imperfeitas", ficaram a Itália, a África do Sul e a Índia. Mas é óbvio que, depois de ler os argumentos do emérito escritor na aguerrida entrevista que José Eduardo Fialho Gouveia para a última edição do "Sol", estas conclusões devem provir de uma instituição dependente do tenebroso poder económico que urde a sua teia enquanto o povo dorme...

A minha vida em episódios de 25 minutos (e com gargalhadas enlatadas)

Os episódios da saudosa "sitcom" norte-americana "Seinfeld" dividiam-se entre aqueles que envolviam conversas sobre o nada e aqueles em que sucediam coisas insólitas. Uns e outros eram terrivelmente divertidos, Os meus últimos dias têm caído nessas duas categorias, com a vantagem de que ao longo de uma mesma hora consigo fazer de Jerry, George e Kramer sem sair da minha pele. Aguardo pacientemente que a SIC Radical mobilize uma equipa de exteriores para ver o humor dos telespectadores portugueses é compatível com a minha existência.

Monday, November 20, 2006

Quando os jogos sofríveis têm qualquer coisa de narrativa mitológica

Ao constatar a titularidade do adolescente Rui Patrício na baliza do Sporting tive a impressão de que o guarda-redes ficaria na história da deslocação ao Estádio dos Barreiros como uma desculpa para o aumentar do avanço do FC Porto ou, em caso contrário, acabaria por sair da Madeira como um novo herói. O nervosismo patente nas primeiras intervenções convenceu-me de que o primeiro cenário iria verificar-se, tendo chegado a dar por mim a sentir atrozes saudades do intermitente Ricardo. Mas quando foi assinalado um penálti inexistente que poderia levar à vitória do Marítimo não andei longe de ter a certeza que o rapaz alto e pouco experiente iria dar uma alegria aos sportinguistas. A forma como certos jogadores se superam nos momentos-chave é uma das explicações para o facto de continuarmos a gostar tanto de um desporto em que as exibições raramente justificam o preço do bilhete. A vitória alicerçada na defesa de Rui Patrício e no inesperado golo do ex-mal-amado Rodrigo Tello foi uma prenda saborosa para terminar o fim-de-semana.

Esta minha vida anda uma animação

Calhou que, por motivos que não vêm ao caso, tenha entrado hoje num táxi numa terra que me é completamente desconhecida. Disse ao motorista onde pretendia rumar e informei-o que nem sequer planeava sair do automóvel quando lá chegasse. Ele acedeu aos meus planos mas dois minutos depois parou à porta de uma esquadra da PSP. Passou-me pela cabeça que estaria com um aspecto duvidoso - sabem os que me conhecem que o blusão de cabedal e o cabelo por cortar potenciam a minha faceta de porteiro de discoteca - e de imediato saquei dos documentos de identificação. Ele sorriu e explicou que não era preciso nada disso: simplesmente não sabia onde ficava a rua que o desafiara a demandar e foi pedir indicações aos agentes...

Reflexões após presenciar uma cerimónia do adeus

De entre todos os homens vivos que conheço inclino-me somente perante um. Está velho, cansado, doente e demasiado lúcido e brilhante para que seja plausível assegurar-lhe que as três primeiras características não correspondem à mais pura realidade. Observo que está preparado e em paz com o fim que um dia, sempre demasiado cedo - admito que mais para nós do que para ele -, acabará por chegar. Ao ponto de querer encenar as memórias que dele deveremos guardar quanto não estiver à nossa espera do outro lado da ponte que, como ele me ensinou há muitos anos, foi construída de um dia para o outro. Ele está à espera que ela apareça. Talvez branca e leve, talvez branca e fria. Mas não será a neve daquele poema que sempre gostou de mostrar ter memorizado há mais décadas do que as nossas vãs experiências podem imaginar. Quando esse dia chegar tenho quase a certeza de que não mais me inclinarei perante qualquer outro homem.

Friday, November 17, 2006

Uma minificção canalha para acabar a semana

A família não ficou demasiado perturbada quando Ezequias morreu, vítima da inopinada queda de uma das letras gigantes suspensas na fachada do seu centro comercial favorito. Receberam a indemnização proposta para compensar o desaparecimento do pai, sogro, avô e bisavô sem dar mostras do mais ténue desejo de regatear. A cerimónia fúnebre decorreu sem novidades e antes de regressarem a casa, com o recipiente das cinzas seguro num saco de uma cadeia galega de pronto-a-vestir, rumaram ao lugar onde Ezequias vivera o derradeiro capítulo de uma existência ocupada por rotinas, desilusões e sofrimentos avulsos. Sentaram-se no mesmo "food court" em que o homem de cabelos brancos e óculos com lentes garrafais passava as tardes a mirar lojistas com idade para serem suas netas. Cada qual foi buscar a sua comida pré-fabricada de eleição e ingeriram no mais absoluto silêncio as calorias discretamente anunciadas pelos fabricantes. Terminadas as refeições, o bisneto encarregou-se de espalhar o que restava do ancião pelos corredores do centro comercial. Avós e mãe aprovaram silenciosamente o acto e dirigiram-se para a saída. Lá fora, meia-dúzia de homens empoleirados num andaime davam o seu melhor para repor uma enorme letra "G" ligeiramente amolgada.

Difícil se torna a escolha

Tinha Pedro Santana Lopes num canal e Cavaco Silva noutro. Resolvi optar pela neutralidade e não me arrependo disso (apesar de o AXN ter feito batota na ordenação dos episódios do "CSI Miami").

Há que dar seguimento aos bons exemplos

Não é que o ex-jogador de futebol americano (e semi-actor) O. J. Simpson escreveu um livro em que explica como teria morto a mulher e o seu suposto amante - aquilo de que foi ilibado por um tribunal pressionado por movimentos de opinião pública mais interessados na cor de pele do réu e no racismo de um dos investigadores do que em apurar a verdade dos factos - caso o tivesse feito? Espero que o exemplo seja seguido em Portugal e possamos ler como é que um certo ex-político teria assassinado ou mandado assassinar um seu adversário. Caso o tivesse feito, evidentemente...

Thursday, November 16, 2006

E agora para algo desesperadamente triste

Enquanto todos nós levamos as nossas vidinhas, duas miúdas pré-adolescentes vivem uma tragédia desde a noite de sábado. Viram o pai e a mãe esmagados - e a avaliar pela descrição que alguns jornais fizeram, a visão era daquelas em que o adjectivo "dantesco" está longe de ser hiperbólico - por um automobilista que aparentava desconhecer o Código da Estrada, e de seguida viram-se envolvidas numa guerra familiar na qual ninguém quer dar o braço a torcer. Quais Montéquios e Capuletos da Área Metropolitana de Lisboa, os avós maternos e paternos não se entendem quanto à custódia das netas e não encontraram melhor solução do que separá-las. Uma encontra-se agora nos Olivais e a outra rumou à Margem Sul. Obviamente deveriam fazer o terrível luto juntas, mas para isso seria necessária uma dose de concórdia que não há à venda em nenhum hipermercado ou loja de "hard discount". Não me atrevo a imaginar qual será a melhor forma de ultrapassar a solução salamónica actualmente em vigor. Permito-me apenas citar os últimos versos do poema mais conhecido do homem que dá nome à rua na qual escrevo estas linhas: “E uma infinita tristeza/ Uma funda turbação/ Entra em mim, fica em mim presa./ Cai neve na Natureza./ E cai no meu coração."

Pode ser que agora a classe deixe de o apoiar

Bela manchete a do "24 Horas"! Maria Antónia Palla, presidente da Caixa de Previdência dos Jornalistas, por sinal mãe do omnipotente ministro da Administração Interna, salienta que José Sócrates não avisou antes das eleições legislativas que planeava sulfatar o subsistema da Segurança Social no qual o autor deste blogue e mais uns milhares de compatriotas estão inseridos. Depois da insistência da namorada do primeiro-ministro em acusar António Costa de ser um terrível protector dos polícias "trigger-happy", nada melhor do que a progenitora do número dois do Governo a apelidar Sócrates de mentiroso. Começo a desconfiar que os laços afectivo-familiares podem ser a continuação da política através de outros meios.

Ensinamentos para beneficiar habitantes da gloriosa cidade de Lisboa

Nos dias em que chove muito e há muitas poças de água tépida (e eventualmente acastanhada) junto aos passeios o ideal é manter uma previdente distância de meia-dúzia de passos em relação ao asfalto quando o semáforo está vermelho. Para as desconfiadas pessoas de direita isto é praticamente um procedimento normal. Fica, no entanto, o conselho para os que têm filtros nas lentes de contacto que lhes permitem ver "la vie en rose" em toda e qualquer ocasião.

Isto deve ser um "post" de um sportinguista invejoso com a grandeza alheia

Sabem vossas excelências o que é um(a) "fluffer"? Atrevo-me a prever que a maioria não fará a menor ideia, pelo que me atrevo a explicar: é o nome dada na indústria pornográfica às pessoas (geralmente mulheres) encarregues de assegurar que os actores têm uma erecção no momento em que a luz vermelha se acende na câmara. Lembrei-me deste termo ao ler as notícias publicadas em vários jornais (e não, não só os desportivos...) sobre os problemas do emérito dirigente benfiquista José Veiga com a justiça.

Disso não se lembra ele...

Quando é que Luiz Felipe Scolari deixará de fazer pirraça com Alex Ferguson e passará a exigir aos responsáveis do Olympique Lyonnais que deixem de uma vez por todas de enviar para os estágios da selecção o sósia daquele meio-campista Tiago que joga maravilhosamente no campeonato francês e na Liga dos Campeões?

Wednesday, November 15, 2006

Serviço público em grande estilo

Juro pela honra de todas as pessoas que não se chamam José Veiga que acabei de ouvir no programa "Antena Aberta" da RTPN um telespectador anunciar que gostaria de ver as mulheres que abortam "penduradas pelo pescoço". A jornalista de serviço ouviu e ainda agradeceu a participação. Pela minha parte fico satisfeito por confirmar o que já desconfiava: os esquerdistas não têm o monopólio da sandice no que aos fóruns radiofónicos e televisivos diz respeito.

Um flagrante da vida (sur)real

Tudo parecia tranquilo na fila para a única caixa em funcionamento no mais mini dos supermercados lisboetas. Nem sequer havia fila. Pousei as minhas parcas compras, ouvi os estridentes queixumes do leitor de códigos de barras e apresentei o cartão multibanco para saldar a dívida e ir à minha vida. Foi então que uma funcionária do referido estabelecimento apareceu e, enquanto pagava as suas próprias compras, entabulou o seguinte diálogo com a colega.
— Não queiras saber. Agora tenho de ir comprar uma prenda para a sogra do meu irmão. Ou melhor, para a minha madrasta.
— A tua madrasta?
— Sim. O meu irmão casou-se com uma filha dela, o mais novo também já anda à volta da irmã e agora ela anda a tentar vender-me o rapaz.
— É esperta. Anda a ver se poupa nas prendas.
Não sei o que mais aprecio nesta história. Se a tentativa de junção de duas famílias ou se a "moral" que a operadora de caixa encontrou naquilo que lhe havia sido narrado. Mas inclino-me mais para a última.

Tuesday, November 14, 2006

Nice work if you can stand it

Enquanto José Sócrates se entretinha a definir quantos euros os beneficiários do salário mínimo terão em 2007 para pagar o condomínio do Heron Castilho (ou seja lá o que essas pessoas fazem), uma empresa portuguesa deu um contributo inigualável para o combate a esse flagelo chamado desemprego. Quem tenha ontem passado os olhos pelos classificados do "Correio da Manhã" terá certamente reparado num singelo anúncio a pedir um tradutor ou uma tradutora com a máxima urgência, prometendo uma remuneração "bem acima da média". A empresa Naturalvídeo quer "uma pessoa séria, honesta, que deseje desenvolver uma carreira numa organização com sete anos e líder de mercado”. Pequeno senão? A Naturalvídeo procura para os seus quadros alguém que proceda à tradução e legendagem dos seus lançamentos para o fascinante mercado dos filmes adultos, pelo que exige não só "profundos conhecimentos de inglês" e "conhecimentos de informática" como também "à-vontade no tema". Compreende-se o último critério mas subsiste uma dúvida: para que servem os "profundos conhecimentos de inglês" quando a missão é traduzir diálogos como "cum all over me", "suck my dick" ou "open your mouth"?

Isso é que havia de ser bonito

As mais recentes declarações de responsáveis da nova maioria norte-americana acerca do papel da Síria e do Irão no futuro do Iraque levam-me a sentir pena por o Partido Democrata não ter jurisdição nas fábulas infantis. Sempre gostava de ver o que sucederia caso o Lobo Mau fosse chamado pelo lenhador para contribuir na resolução do problema da Capuchinho Vermelho.

Monday, November 13, 2006

Abram alas para o homem das falanges

Um dos meus "dirty little secrets" é que simpatizo com Luís Filipe Menezes. Tanto assim que prometo dedicar uns cinco segundos de cada um dos meus atarefados dias a enviar energias positivas - o "alto astral" de que Santana Lopes, outro social-democrata com quem simpatizo, tanto falava antes de ser primeiro-ministro - para que o tal Centro Cívico de Vila Nova de Gaia fique pronto a tempo e o autarca não seja forçado a cumprir a promessa de cortar o dedo mindinho. Mas se ainda assim a cirurgia tornar-se necessária, relembro ao ex-vilipendiador de "sulistas, elitistas e liberais" que Lula da Silva chegou bastante longe só com quatro dedos numa das mãos.

Ler jornais é saber mais

Coisas que aprendi durante o fim-de-semana? Fiquei a saber o nome do estabelecimento nocturno portuense onde Jorge Nuno Pinto da Costa conheceu Carolina Salgado. Gutenberg não se há-de ter em si de orgulhoso esteja lá onde estiver.

Ensinamentos culturais para beneficiar a gloriosa nação de Portugal

Estou de acordo que os versos de "Um Homem na Cidade" são muitíssimo belos, mas os acontecimentos dos últimos anos aconselham a nunca dizer num raio de um quilómetro em volta das redacções do "Correio da Manhã" ou do "24 Horas" algo tão potencialmente pernicioso quanto "agarro a madrugada como se fosse uma criança".

Vamos subverter a sabedoria popular

Quatro olhos resultam sempre melhor do que dois (a não ser que os dois olhos suplementares pertençam a uma pequena cabeça que aos poucos se vai desenvolvendo no pescoço).

Friday, November 10, 2006

Eu não acredito em bruxas...

...mas de há uns dias para cá venho acumulando uma impressionante série de azares com entidades oficiais e com equipamentos electrónicos. Se fosse um nadinha mais paranóico já andaria com a impressão de que me andei a meter com quem não devia.

Uma pergunta sem a menor importância

Teria o resultado das eleições sido diferente caso o líder da Al-Qaeda no Iraque, Abu al-Masri, resolvesse dar o seu "endorsement" ao Partido Democrata três dias mais cedo?

E tudo o vento levou

Também é de louvar a imensa alegria sentida por largas franjas da esquerda lusitana devido à derrota dos partidários de George W. Bush nas eleições realizadas terça-feira nos Estados Unidos. Tão impiedoso foi o eleitorado com os custos da guerra ao terrorismo que mesmo bastiões republicanos como o Montana e a Virginia desempenharam um papel importante na vaga de fundo que deu o controlo do Senado (além da previsível conquista da Câmara dos Representantes) ao Partido Democrata. Mas nem tudo são más notícias: pode ser que devido a essa mudança as pessoas que costumam acusar os norte-americanos de serem ignorantes ao ponto de não conseguirem apontar Portugal num mapa da Europa consigam apontar o Montana e a Virginia num mapa dos Estados Unidos.

Trocar uma ou duas ideias sobre o assunto

Estive todo o dia afastado da internet e ainda não consegui arranjar 15 minutos para ler o trabalho do "Diário de Notícias" acerca da identidade da esquerda com a atenção que certamente merece. No entanto, conhecendo já a magnífica dicotomia apresentada por Mário de Carvalho, apetece-me dizer que uma pessoa de esquerda - longe de ser o batráquio da velha história do sapo e do escorpião citada pelo escritor comunista - pode muito bem definir-se como aquela que ainda hoje condena sucessivas administrações norte-americanas pela (variável) complacência que auxiliou a longevidade do Estado Novo mas vocifera o actual presidente dos Estados Unidos por ter derrubado um ditador sanguinário. E isto, claro está, sem admitir a menor contradição entre as duas posições.

Thursday, November 09, 2006

Mas se calhar a culpa foi da Monica e da Moral Majority

Hoje de manhã estive no visionamento de imprensa do perturbador filme bósnio "Grbavica", que conta a história de uma mulher que não ousa explicar à filha adolescente que esta foi concebida num "campo de recreio" onde os combatentes sérvios iam violar prisioneiras. Nada melhor para recordar os gloriosos feitos das apaziguadoras políticas da "América boa"- em "joint venture" com a União Europeia e com a Sociedade das Nações(r) - durante os anos 90.

Importante editorial do Papagaio Morto

Este blogue não pode deixar de assinalar com alegria a primeira convocação de Tonel para a principal selecção de futebol nacional. Não só constitui a reparação de uma flagrante injustiça perpetrada nos últimos meses por Scolari como a presença do defesa central leonino na equipa de todos nós levará a que Simão Sabrosa tenha de exercitar a sua criatividade para conceber um corte de cabelo ainda mais desastroso.

Wednesday, November 08, 2006

Não chores por ele, Portugal

Se o estimável João Salgueiro, eterno presidente da Associação Portuguesa de Bancos, tiver razão na denúncia de práticas peronistas por parte do Governo de José Sócrates, então suponho que o país necessita de seleccionar a sua Evita. Para evitar trapalhadas como aquela historieta dos estudos das Scut aconselho a realização de um concurso público. Mas ainda assim permito-me apontar uma candidata evidente: a meiga, doce e frágil Luciana Abreu, protagonista da telenovela "Floribella". Não só tem prática a propagandear o lado positivo de ser pobrezinho - convencendo os portugueses a aceitar quaisquer mexidas na segurança social e aumentos de impostos - como os seus dotes vocais permitirão que se interprete a si própria quando no final da festa alguém escrever um musical acerca do desastre.

Amantes da "América boa" prevenidos valem por dois

Alerta-se todos aqueles que denunciaram os desmandos do imperialismo norte-americano para o facto de o porta-avião USS Enterprise encontrar-se na cidade de Lisboa até à próxima sexta-feira. Quer isto dizer que cinco mil agentes da opressão irão circular pelas ruas da capital, não sendo de excluir a hipótese de andarem à procura de inocentes (nomeadamente pessoas cujo nome próprio ou apelido contenham a suspeita sílaba "Al", como Al-berto, Ál-varo ou Al-meida) vítimas de "interrogatórios avançados". Para quem não queira confiar na sorte sugere-se a permanência até ao final da semana nas zonas da cidade que os soldados norte-americanos foram desaconselhados de frequentar: Martim Moniz, Parque Eduardo VII, Intendente e Benfica. Sendo compreensíveis as primeiras três proibições, a existência da quarta deixa entender que o Pentágono conhece as armas de destruição em massa que respondem pelos nomes de Petit e Katsouranis. Quanto ao Bairro Alto e ao Lux é avisado esperar pelo fim-de-semana.

Nao te mexas, morre e ressuscita

Meros dois após uma misteriosa avaria ter forçado - devido à incapacidade demonstrada pela Optimus no que toca a cumprir aquilo que promete aos seus clientes - a compra de um miserável substituto, o meu Nokia voltou a funcionar. Por descarga de consciência liguei-o pela manhã e, para meu infinito espanto, constatei que o irremediavalmente inapto teclado permitia a digitação de números. Moral da história? Os desígnios da tecnologia são insondáveis.

Tuesday, November 07, 2006

E este se calhar até reconhece a existência dos pontos parágrafos...

Muito comovente o apelo lançado por Saddam Hussein para que os curdos e os árabes se reconciliem. Tendo em conta tudo o que o ex-ditador fez para que muitos deles pudessem encontrar-se no Além não deixa de haver uma certa coorência nas palavras do novo mártir da pena de morte. Estará desde já encontrado o próximo Nobel da Paz?

Monday, November 06, 2006

A propósito da pena de Saddam

Querem saber o que é um verdadeiro atraso civilizacional? O limite de 25 anos para as penas de prisão estabelecido em Portugal. A obsessão pela recuperação dos bons selvagens e a inculcação da teoria da culpa da sociedade levam a que indivíduos dotados de uma crueldade sem limites possam voltar a exercer a sua arte depois de longas temporadas em que aprimoram métodos em contacto com outros facínoras. Sem querer entrar no absurdo de imaginar o julgamento de Saddam Hussein neste nosso rectângulo, relembro que o norte-americano Charles Manson (candidato a liberdade condicional a partir do próximo ano, quando cumprir a provecta idade de 73 anos - ainda assim muitos mais do que aqueles que a actriz Sharon Tate e outros incautos californianos puderam viver) seria, na melhor das hipóteses, condenado a 25 anos pelos hediondos crimes de que foi mandante, pelo que já andaria em liberdade. Sendo a pena de morte assaz discutível - ainda que, por ironia do destino, aqueles que mais a vociferam costumam ser os que menores dúvidas têm quanto às condições em que é lícito o recurso ao aborto -, nem que seja devido aos erros judiciais e à possibilidade de novas provas levarem à absolvição de condenados, não tenho o menor problema em afirmar que a prisão perpétua é a solução mais correcta para proteger as sociedades de criminosos que conjugaram premeditação, crueldade e reincidência nos seus actos. Isto vale para ditadores sanguinários depostos e para quem nunca consegue maior glória do que aparecer na capa do "Correio da Manhã".

O melhor estava guardado para o fim

Esta segunda-feira tinha tudo para ser um péssimo dia a servir de prólogo para uma péssima semana. Perdi hoje preciosas horas e uma razoável parte das solas dos sapatos a resolver problemas surreais relacionados com telecomunicações - fiquei tão mal impressionado com a Optimus, de que sou "pioneiro" e financiador regular desde há quase uma década, que pela primeira vez na vida requeri o livro de reclamações - e quando finalmente regressei a casa percebi que já não tinha tempo para fazer as tarefas que prometera a mim próprio cumprir. Havia uma solução tristonha à disposição: ignorar o pesado investimento na Gamebox e limitar-me a acompanhar o Sporting-Braga pela TVI. Mas não é a mesma coisa. Juro que não. Estar no Alvalade XXI a gritar em uníssono com milhares de desconhecidos é o mais próximo de uma religião organizada que ouso professar. Lá fui. Carregado de pessimismo. Escolhi uma das últimas filas, observando o relvado de cima como um aspirante a Pai Eterno. Sentei-me e em poucos minutos recarreguei as baterias. A rapaziada-ouçam-lá-o-que-vos-digo estava de tal forma devoradora dos enviados da cidade dos arcebispos que se arrisca a ser alvo de reportagens de duas páginas no "Diário de Notícias". Primeiro foi um brilhante autogolo marcado por um jogador que estava a cometer uma despudorada grande penalidade (obviamente não assinalada, pois na SAD ninguém se lembrou de contratar o infalível Vidoso) sobre um leão indomável. De seguida outro golo de cabeça. E ainda mais um na segunda parte. Sempre a atacar, sem medo de ser feliz, a equipa escolhida por Paulo Bento teve o condão de me alegrar o dia. Como diriam os meus egrégios avós da Beira Alta, bem-hajam Ricardo, Caneira (Abel), Polga, Tonel e Tello; Custódio, João Moutinho e Farnerud (Nani); Yannick, Alecsandro (Miguel Veloso) e Liedson.

A cara é nova, a qualidade não

Os meus parabéns para o novo "lay-out" do Corta-Fitas, certamente o primeiro blogue que irei acrescentar à minha curta (e manifestamente insuficiente) lista de ligações quando tiver a menor ideia de como isso se faz. Entranhou-se sem se estranhar, o que é raro suceder no meu securitário e conservador espírito.

Os malditos anónimos voltaram a atacar

Tal como o cada vez mais essencial Joaquim Vieira (blog.observatoriodaimprensa.pt) fez notar, a última crónica de Miguel Sousa Tavares no "Expresso" estava mais semeada de erros do que uma prova de todo-o-terreno de pedregulhos. No entanto parece-me que existe uma explicação assaz simples para o ocorrido: os criadores do blogue Freedomtocopy lograram infiltrar-se entre os revisores do semanário de Balsemão e divertiram-se a subverter mais uma arrasadora crítica do autor de "Equador" à tenebrosa administração Bush. Tanto assim que até entenderam por bem grafar a omnipresente "corporation" Halliburton, de que o vice-presidente Dick Cheney é o principal braço político, como uma burlesca Ali Burton. Tratar-se-á de uma subtil homenagem dos malditos anónimos à velha canção das Doce agora interpretada por um quarteto de pré-adolescentes trajadas de odalisca?

Sic transit Gloria mundis

Ligo o computador e ao passar pelo meu blogue reparo que as minhas ultimamente cadavéricas audiências sofreram uma ligeira arritmia. Não demoro a perceber o motivo. Fernanda Câncio respondeu a um "post" que escrevi na sexta-feira após ler um seu texto acerca da "contenção" dos polícias franceses. Basicamente a jornalista do "Diário de Notícias" acusa-me de ter "traduzido" mal o seu pensamento e deseja-me as "melhoras". Tudo bem. Agradeço e retribuo. Mas não me parece necessário entrar em faltas de respeito quando há discórdias em jogo. Sucede apenas que Fernanda Câncio considera que a desobediência a uma ordem de parar por parte de polícias devidamente identificados é algo de escassa importância (mesmo que essa recusa se prolongue por largos minutos e coloque em perigo a vida de um número considerável de outros transeuntes ou condutores se os agentes policiais cometerem a imprudência de encetar uma perseguição a quem terá certamente um "excelente" motivo para fugir) e eu não. Ponto final.

Friday, November 03, 2006

Trás-os-Montes adere à Twilight Zone

Um cadastrado cumpre 18 anos de pena por homicídio e regressa ao lugar do crime para esfaquear até à morte dois septuagenários que talvez nem sequer conhecesse. Não sucedeu no país belicista denunciado por Michael Moore em "Bowling for Columbine", mas sim numa aldeia do trasmontano concelho de Carrazeda de Ansiães. E a história tem um detalhe assaz edificante: não só o homicida vinha expressando o desejo de regressar à prisão como havia dedicado os últimos meses a garantir que isso acabaria por acontecer. Há 14 meses esfaqueou um vizinho, estando a sentença desse caso marcada para a próxima terça-feira, e na semana passada desferiu uma facada na barriga do tesoureiro da junta de freguesia local. Por motivos difíceis de explicar mantinha-se em liberdade, sendo supostamente vigiado pela GNR. Talvez a polícia francesa possa vir à aldeia de Codeçais e aprenda qualquer coisa.

Who you gonna call? Gendarmes!

Fernanda Câncio congratula-se hoje com o facto de a polícia gaulesa não ter ferido um único dos bravos "enfants de la patrie" que, entre um rol impressionante de proezas, provocaram queimaduras em 60 por cento do corpo de uma imigrante senegalesa pouco lesta ao abandonar um autocarro em chamas. Na sua habitual coluna que alegra as sextas-feiras dos leitores do "Diário de Notícias", a jornalista esfrega este maravilhoso exemplo na cara do ministro António Costa, feroz protector dos Dirty Harry à Gomes de Sá, sugerindo-lhe que poderia fazer uma visita a França para aprender "quelque chose". Fica a sugestão, embora a ausência de feridos em França talvez tenha tido algo a ver com o facto de os pirómanos não terem furado bloqueios policiais e não estarem a ser perseguidos quando perpetraram os seus actos de insurgência contra o opressivo regime de Chirac, Villepin e Sarkozy. A única novidade do texto é mesmo a confissão da grande repórter do "Diário de Notícias": "Até achamos que uns balázios nas rótulas dos selvagens que andam a pegar fogo aos autocarros eram bem mandados." Anota-se a subtil alteração de doutrina e deixa-se um conselho a todos os agentes da PSP, GNR ou Polícia Judiciária que persistem em tentar capturar delinquentes: assegurem-se que os apanham com archotes junto a transportes públicos antes de accionar a sirene...

Thursday, November 02, 2006

Mais uma microcausa para agitar a blogosfera

Nas minhas fugazes passagens pela MTV, pelo VH1 e pelo MCM não pude deixar de reparar que apenas uma das seis encorpadas moçoilas que formam a "girlsband" Pussycat Dolls - as tais que o impagável Borat apresentou como "prostitutas internacionais" aquando da entrega dos MTV Europe Music Awards em Lisboa - tem a seu cargo aquele pormenor relativamente importante em pessoas que trabalham na indústria musical: cantar. As outras cinco mais não fazem do que um ou outro coro e manobras de expressão corporal equidistantes entre os Jogos Olímpicos e o Moulin Rouge. Assim sendo, afigura-se-me como injusto se a referida senhorita, de seu nome artístico Nicole (igualmente mais normal do que Ashley, Melody, Kimberly, Carmit e Jessica) auferir somente 16,66 por cento dos proveitos obtidos após a editora e os agentes retirarem as suas (certamente pesadas) fatias da facturação. Apela-se, portanto, a todas as pessoas* que façam chegar o seu veemente protesto à Universal Music até que esta flagrante injustiça deixe de existir. Qual Darfur qual carapuça!

*Melhor dizendo, a todas as pessoas que não tenham nada melhor para fazer do que defender os direitos de uma artista ligeiramente mais dotada do que as aparentes nulidades que a acompanham.

Humilde sugestão ao dr. Soares Franco

Não se poderá arranjar alguém que unte os postes e a trave das balizas do Alvalade XXI (nos jogos fora admito que será mais complicado...)? É capaz de ser aqui o falta para a vaga de fundo do Sporting de Paulo Bento.
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