Wednesday, February 28, 2007

Se não há decoro ao menos que haja decote


A "performance" de Fátima Felgueiras no tribunal seu homónimo representou a criação de uma nova carta "você está livre da prisão" no Monopólio da política à portuguesa: qualquer acusação a uma autarca-arguida passa para segundo plano quando se recorre a um pronunciado decote. Assim sendo, sugiro ao presidente da comissão política nacional do PSD que naturalize quanto antes a senhorita Selma Hayek e a apresente como candidata à Câmara de Lisboa nas próximas eleições autárquicas.

Até porque Ratzinger aparenta estar de boa saúde

Enquanto subia a Avenida Barbosa du Bocage não pude deixar de reparar que saía fumo branco do edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos, mais concretamente da Culturgest. Terá ficado decidido hoje à tarde o sentido de voto na assembleia geral da Portugal Telecom ou não passaria aquilo de uma intervenção urbana não previamente anunciada aos críticos de arte?

Abrem-se novas avenidas para o conhecimento científico

Continua a haver mercado para quem ouse desenvolver uma teoria destinada a explicar o que leva certos edifícios a resistirem durante décadas ou séculos enquanto os seus contemporâneos dão lugar a mamarrachos. Ainda bem que Charles Darwin ligava mais às iguanas.

A Lisboa de outras eras (lado B)


(bem-haja ao Arquivo Fotográfico de Lisboa)

Este bairro ainda existia quando eu nasci. Ficava mais ou menos a meio a caminho entre a casa da minha mãe, na qual vivi mais de duas décadas, e a casa que me levou a endividar-me em comunhão de hipoteca com a minha "better half". Os prédios que serviam de pano de fundo a esta imagem de miséria ainda por lá andam - ficam a dezenas de metros do selecto Frutalmeidas - mas quem agora tirasse uma fotografia naquele ângulo ficaria por debaixo de um empreendimento residencial de luxo. Lisboa é feita de mudança e mesmo um conservador tem de reconhecer que por vezes a mudança é para melhor.

Humilde sugestão aos responsáveis da Betandwin


(este já não faz mal a ninguém)

E que tal começar a fazer apostas de médio-longo prazo sobre os próximos edifícios da Avenida da República que serão reduzidos a entulho disposto na horizontal em vez do entulho disposto na vertical em que os deixaram converter-se? As minhas caminhadas entre as aulas e o McDonald's do Saldanha proporcionaram-me informação privilegiada que não me importaria nada de rendibilizar...

Crónica de uma esperança adiada


Aconselho os sportinguistas mais fanáticos a visitar o "site" Sportugal.pt para ler a entrevista a Rui Dias, treinador do Olivais e Moscavide que no ano passado ajudou a fazer de Miguel Veloso o melhor reforço do plantel leonino em 2006/2007 e que na presente temporada moldou o talento de Bruno Pereirinha e procura fazer o mesmo a André Marques, Pedro Celestino e Carlos Saleiro. As respostas mais reveladoras do jovem treinador são as que dizem respeito ao ainda júnior Fábio Paim, o tal que todos os adeptos de jogos de "team management" reconhecem como o "novo Cristiano Ronaldo" desde os tempos em que o madeirense ainda não conseguia apontar Manchester no mapa. Rui Dias não se coíbe de salientar o "feitio" do seu pupilo e deixa entender que este terá sido "superprotegido" em Alcochete. Eu, que sou um pessimista encartado, começo a temer o pior.

Diz que é uma espécie de "post" n.º 700

Um dos meus múltiplos pecados é deixar a televisão ligada quando adormeço. E ainda por cima desta vez ficou sintonizada na MTV. Daí que as primeiras imagens que o meu cérebro captou hoje, além do telemóvel-despertador e do dia cinzento do outro lado da janela, tenha sido um teledisco muito em vaga que aproveita o clássico "Another Brick in the Wall" para ilustrar as aventuras de um grupo de adolescentes praticantes de "parkour" - aquele lindo desporto urbano, capaz por si só de garantir que o ministro Correia de Campos não possa encerrar urgências nas cidades em que é praticado, que consiste em saltar e trepar como se as leis da gravidade tivessem feito gazeta - que invadem as casas de incautos cidadãos para substituir as suas lâmpadas eléctricas ou limitar as descargas dos autoclismos. Nada de mal lhes acontece ao longo do teledisco - em boa verdade, uma adolescente vê-se forçada a tapar o nariz enquanto se mantém escondida na banheira de uma casa-de-banho cuja retrete está a ser utilizada pelo legítimo proprietário -, o que constitui um excelente exemplo para a juventude de todo o mundo. Mas pela minha parte deixo um aviso a quem tenha planos de instalar lâmpadas de baixo consumo (ou desligar a televisão que ninguém está a ver) enquanto estou a dormir: tenho o sono leve e um taco de basebol à mão.

Tuesday, February 27, 2007

Vão-se os conteúdos, fica a forma

As melhores entrevistas de futebolistas na imprensa portuguesa costumavam aparecer nas edições de sábado do "Público". A responsável pelo crime de fazer perguntas inteligentes aos homens que a tradição manda debitarem asnices como a do "prognósticos só no final do jogo", convencendo-os a revelar ao mundo que falam muito melhor do que é o futebol do que a maioria dos dirigentes e grande parte dos treinadores, chama-se Matilde Rocha Dias e trabalha na redacção do Porto que tantos problemas me deu ao longo do meu "tour of duty" no diário da Sonae. Como leitor tenho pena de que as entrevistas de Matilde Rocha Dias não tenham encontrado lugar aquando da remodelação gráfica e de conteúdos do "Público". Ignoro o motivo de tal decisão, visto que a referida jornalista continua a integrar a equipa liderada por José Manuel Fernandes. Mas se calhar tudo se deveu - como talvez tenha sucedido com a desaparecida rubrica "InfelizCidades"*, até há poucas semanas âncora do defunto suplemento Local - ao facto de os consultores cavalheiros não terem previsto um "template"...

* Registo de interesses: O "InfelizCidades" era muitas vezes alimentado com a prosa da minha irmã Diana, jornalista da secção Local Lisboa do "Público". Acredito que essa circunstância em nada afecta a avaliação que faço da rubrica e a minha tristeza pelo modo como as cabeças pensantes a suprimiram do novo "P".

Últimas novidades da frente de batalha

Diogo Pires Aurélio, um opinador moderado, honesto e com memória, anuncia hoje, na última página do diário ainda não dirigido por João Marcelino, a interrupção voluntária da sua colaboração com o "Diário de Notícias". Suponho que se limita a adiantar o adiantável - só deverá haver espaço para um opinador "residente" na nova versão da última página do diário da Avenida da Liberdade -, mas não deixa de ser uma perda a lamentar.

A cada um a sua metáfora

Tal como 99 por cento do público-alvo de Maria José Nogueira Pinto enquanto política - basicamente os portugueses com cartão de eleitor -, nunca tive um quarto dos brinquedos. Mas conservo alegres memórias de um anárquico rectângulo do segundo andar direito da minha mãe ao qual chamávamos (recorro ao pretérito pois uma remodelação do apartamento eliminou a mágica divisão) quarto das desarrumações. O que não deixa de se aplicar ainda melhor à Câmara Municipal de Lisboa tal como hoje a conhecemos.

Se os genes da minha mãe fossem dominantes (e eu fosse uma menina pequena) seria mais ou menos assim


(a fotografia foi roubada à má fila ao Empantanas, blogue da minha irmã que está mesmo ali ao lado)

Não há rebuçados para quem adivinhar

Qual é o diário de referência, qual é ele, que anda a incrementar a circulação através da inserção de uns milhares de exemplares no meio de um diário gratuito que só é distribuído em empresas e universidades? Até dou uma pista: não é o diário de referência em vias de popularização.

E ele a dar-lhe com os Óscares...

Já dormi umas horas e os meus níveis de boa vontade foram repostos. Assim sendo, reconheço que aquela coisa das sombras chinesas até teve bastante graça. Mas o resto da cerimónia dos Óscares foi um desastre. Até as habituais montagens de cenas emblemáticas desiludiram e a sequência que homenageia os profissionais da sétima arte desaparecidos no ano anterior tinha défice de alma e contribuiu para arrastar aquele triste espectáculo mais alguns minutos. Mas agora imaginem que os responsáveis pelo "catering" de um "fund-raiser" de cinco mil dólares por prato de Hillary Clinton ou Barack Obama (nenhum deles é Al Gore, mas são o que se arranja...) serviam comida envenenada: daqui a um ano a supracitada sequência seria tão extensa que só saberíamos o vencedor nas categorias de Melhor Realizador e de Melhor Filme às sete ou às oito da manhã de Lisboa.

E nós, leões, a vê-los passar...

Sempre ouvi dizer que o dono de um iate só tem dois dias felizes: aquele em que o compra e aquele em que o vende. Os responsáveis do Sporting arriscam-se a dizer o mesmo do Nani.

Monday, February 26, 2007

Aderi às teorias da conspiração (mas tenho desculpa: só dormi duas horas e não há meio de o oxigénio encontrar o caminho de volta para casa)

Bem sei que Al Gore é um homem bom. Mesmo muito bom. Daqueles tão bons que até dá vontade de transformar em estátua de bronze. Mas ainda assim lanço um apelo a quem tenha estado próximo do único ser humano que inspira dióxido de carbono e expira oxigénio - houvesse mais como ele! - durante a sua breve deslocação a Lisboa: por acaso alguém reparou se o homem tem o mesmo algarismo tatuado três vezes na nuca? Se calhar estou, como dizem no país de ingratos que não o elegeram presidente (ou, melhor dizendo, que não derrubaram o Supremo Tribunal quando o subserviente órgão de soberania "roubou" a eleição), a saltar para cima de conclusões, mas o ar embevecido, quase hipnotizado, com que aquelas estrelas de Hollywood sorviam cada uma das suas sílabas teve o condão de me recordar que, segundo certos e determinados textos bíblicos, um dia desses aparecerá entre nós um líder carismático capaz de converter os descrentes e guiar multidões mas que terá propósitos, no mínimo, inconvenientes.

Sinais exteriores de maturidade

Quando passei a fronteira dos 30 percebi que nunca mais conseguiria fazer directas sem que isso acarretasse profundos danos cerebrais. Há poucos dias dei conta de que dobrei outro cabo: quando fico uma semana sem torturar o rosto com uma lâmina tripla tenho perfeita consciência, ao ver-me de relance no espelho, de que alertaria as autoridades caso me pudesse surpreender a rondar a minha casa.

Os despojos da madrugada (IV)


A acreditar na definição de Bill Clinton, sexo oral não é propriamente sexo. E assim sendo não se pode dizer que a Academia de Hollywood fez várias vezes sexo a Al Gore à frente de mil milhões de telespectadores.

Os despojos da madrugada (III)

Escrevi neste blogue o quanto me angustiava a ideia de Martin Scorsese, tantas vezes ignorado ao conceber obras-primas da sétima arte, ser premiado pela Academia de Hollywood pelo competente (mas não deslumbrante) trabalho de adaptação de um clássico de Hong Kong. Mas retiro tudo isso. Uma das raras alegrias da madrugada ocorreu quando vi que a estatueta mais aguardada seria entregue por Spielberg, Lucas e Coppola (depois disto ainda terão a lata de dizer que ninguém sabia o nome escrito no envelope?). Tendo em conta que a vitória de "The Departed" nas categorias de Melhor Filme e de Melhor Realizador impediu que o sorridente "challenger" mexicano Iñárritu fizesse mais um discurso alterglobalizador, entendo que os fins justificam perfeitamente os meios.

Os despojos da madrugada (II)

Poderia dizer que desperdicei preciosas horas de sono para assistir à cerimónia de entrega dos Óscares mais ridícula e desprovida de ritmo e de graça do terceiro milénio. Mas se o fizesse provavelmente estaria a demonstrar como a homofobia tolda o meu raciocínio ao ponto de não conseguir percepcionar o inquestionável brilho da apresentação de Ellen DeGeneres. Será melhor ficar calado.

Os despojos da madrugada (I)

Mais uma segunda-feira ao longo da qual me arrastarei como um "zombie" até que a força da gravidade me atire contra um colchão. Insisto numa recorrente inquietação: quando é que o Bloco de Esquerda irá começar a denunciar a cerimónia de entrega dos Óscares como uma estratégia do complexo industrial-militar dos Estados Unidos para, recorrendo aos "inocentes" fusos horários, corroer a produtividade dos europeus?

Friday, February 23, 2007

Primeiro entranha-se, depois entranha-se ainda mais


Recuso-me a acreditar que ser fazedor de jornais é uma profissão tão do domínio do pretérito quanto a dos amoladores de chapéus-de-chuva.

Planos para mais logo

Na minha última deslocação ao Alvalade XXI tive o raro prazer de assistir a seis golos num jogo de futebol. Espero que volte a suceder o mesmo hoje à noite. Mas de preferência todos na baliza certa.

Há sempre lugar para mais um à mesa


Primeiro foi o Benfica, ao qual a Caixa Geral de Depósitos, banco detido pelo Estado de Portugal, outorgou uns quantos milhões de euros em troca da honra de emprestar nome a uma infra-estrutura no Seixal que é visitada por um não excessivamente extenso número de adeptos indefectíveis e sem nada de melhor para fazer. Agora é anunciado um apoio da referida Caixa Geral de Depósitos aos escalões de formação de futebol do Sporting, ao futsal, ao andebol e eventualmente ao atletismo. Não ficarei muito espantado quando a mesma Caixa Geral de Depósitos vier apoiar o hóquei e o basquetebol do FC Porto. Mas a verdade é que não consigo ficar zangado com uma instituição cujo edifício-sede, pela desmesurada ânsia em celebrar o dinheiro e a taxa de juro enquanto divindades pós-modernas, tem a grandeza faraónica do mais emblemático edifício da Avenida João XXI.

Thursday, February 22, 2007

Mensagem críptica dirigida a um determinado edifício de uma certa avenida lisboeta

"By the pricking of my thumbs, something wicked this way comes"

William Shakespeare, "Macbeth"

Mais uma notícia de última hora


Instado a comentar as práticas do ministro da Saúde de Portugal à saída de um congresso médico a decorrer num hotel nos arredores de Lisboa, o famoso Dr. House referiu que "aquilo que Correia de Campos está a fazer, com o encerramento das maternidades e das urgências, representa um intolerável sadismo dirigido a pessoas fragilizadas".

A toda a parte chegam os vampiros (até poisam nas calçadas)


Encontrava-me já a poucos metros da porta do prédio em que sou co-proprietário de uma fracção quando reparei numa concentração de pessoas com vestes esverdeadas. Ainda pensei que se tratasse do equipamento alternativo da equipa de "bowling" do Sporting mas uma segunda observação permitiu concluir que eram "apenas" seis assalariados da empresa municipal EMEL em amena cavaqueira enquanto um deles preenchia documentos que vão tramar o final de dia a um qualquer incauto. Seis funcionários para uma artéria com a dimensão da Rua Augusto Gil? Caso o fenómeno se repita fico tentado a acreditar que aqueles fatos-macaco verdes são as camisas negras do século XXI.

Wednesday, February 21, 2007

Arrivederci, Romano

A primeira vez que este blogue se enganou - dúvidas nunca deixa de ter, como é saudável em todas as pessoas e instituições - foi quando acreditou numa surpreendente vitória do centro-direita nas legislativas italianas. Tendo em conta o pedido de demissão de Romano Prodi, cansado de tentar governar com o apoio parlamentar de uma coligação excessivamente heterogénea, começo a pensar que o Papagaio Morto se arrisca a ter razão numa perspectiva de médio-prazo.

This used to be the place that used to be my playground


Quando fui trabalhar para o renovado "Independente", no final do mês de Maio de um 2001 de boa memória, sorri com a coincidência de passar a ter domicílio profissional a menos de uma centena de metros da maternidade, entretanto encerrada, que serviu de cenário ao meu nascimento. Durante mais de cinco anos lutei contra moinhos no oitavo andar do horrendo edifício da Avenida Almirante Reis que faz esquina com a serpenteante e desnivelada Rua Marques da Silva. Nesse imóvel, de seu nome Centro Comercial Portugália, passei excessivas horas da minha vida, algumas das quais contemplando num misto de curiosidade e horror o edifício quase orgânico de tão arquitectonicamente confuso que servia de linha do horizonte a grande parte das janelas da redacção do agora também encerrado semanário. Há poucos dias, por influência do sempre essencial Corta-Fitas, pesquisei o "site" do Arquivo Municipal de Lisboa e por lá encontrei esta fotografia de uma Lisboa de outra era. Atrevo-me a afirmar que a esquina das supra-referidas artérias era então bastante mais agradável aos olhos, até porque o tal edifício arquitectonicamente confuso ainda não havia sido degradado pelos seus ocupantes ao ponto de parecer uma entidade viva (mas a caminho da cova). No lugar do Centro Comercial Portugália onde vivi tristezas, alegrias, vitórias, derrotas, desilusões, surpresas e de tudo um pouco encontrava-se então a fábrica de cervejas da mítica Portugália. E assim foi até que alguém decidiu que não era preciso destinar um quarteirão inteiro à empresa. Desconheço os motivos que presidiram à demolição parcial e à construção do edifício no qual foram concebidas as últimas edições do "Independente" e que é parte da minha existência. Só constato que o raio da fotografia tem o condão de me transportar até Álvaro de Campos.

"Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei. Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra
Sempre o impossível tão estúpido como o real
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra."

Substitua-se "tabuleta" e "versos" por "fábrica de cerveja" e "Independente" e os versos como se um alfaiate estivesse envolvido nesta ocorrência

Tuesday, February 20, 2007

Como eu descobri a razão de um dos maiores flagelos da Humanidade


Na manhã de segunda-feira meti os pés na via pública à hora habitual. Ao contrário de boa parte dos habitantes de Portugal, esse país de construtores de pontes em que os pilares correspondem ao fim-de-semana e aos feriados, não tive a possibilidade de ficar a dormir até mais tarde e rumei para mais uma sessão do curso de Gestão de Empresas que o ministro Vieira da Silva teve a gentileza de me ofertar. Fui acompanhado na ignomínia por um formador e dúzia e meia de colegas e a segunda-feira até prometia decorrer sem incidentes de maior. Pelo menos até às quatro da tarde, quando um dos qualificados à procura de emprego que mais se tem destacado naquela sala com vista para a Avenida 5 de Outubro entendeu por bem iluminar o resto da turma com o seu vasto conhecimento acerca da multinacional Nestlé. Esta, segundo a supracitada fonte, é uma empresa que está à beira da ruína, sendo o melhor exemplo disso a fraca qualidade do seu leite em pó Nido. Até porque, ainda segundo o qualificado desempregado, as latas de Nido que são enviadas para o Terceiro Mundo não têm leite mas sim outra substância que urge identificar. Por essa altura da conversa um elemento menos iluminado da turma retorquiu que provavelmente a única diferença era a percentagem de gordura contida no leite em pó destinado a esses mercados. Debalde. O meu colega de curso, embalado pela sua convicção - partilhada horas antes - de que existe uma relação directa entre o tratamento por "você" dos progenitores e o nível de educação, prosseguiu nas acusações à Nestlé. E foi assim que fiquei a saber que "é por isso que em África há tantas crianças subnutridas". Ouvi isto, levantei-me e fui atirar água fria à cara. Quando regressei à sala estava mais calmo e espero agora que o destino permita que um dia desses cruze o meu caminho com o do vocalista dos U2. Bono tem que saber a verdade e fazer alguma coisa para resolver o problema provocado pelo malvado Nido.

O meu nome do meio é Nostradamus (III)

Caso aconteça o que parece inevitável, isto é, a marcação de eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, só existe um candidato social-democrata capaz de assegurar a sucessão de Santana Lopes e Carmona Rodrigues, evitando assim o caos decorrente da coabitação de um edil socialista com uma assembleia municipal em que o PSD tem maioria absoluta. O seu nome é Marcelo Rebelo de Sousa. E desta vez nem precisaria de mergulhar nas águas do Tejo.

O meu nome do meio é Nostradamus (II)

Alberto João Jardim será reeleito com mais de 70 por cento dos votos dos madeirenses. A revolta insular contra a Lei das Finanças Regionais irá estraçalhar os resultados do PS e do CDS. E até o eleitorado mais à esquerda não será imune à tentação de "dar uma lição" a Sócrates.

O meu nome do meio é Nostradamus (I)

Drogba, Lampard e companhia vão paralisar no Estádio do Dragão. E "the special one" Mourinho não conseguirá vingar-se na quarta-feira de quem tanto o desconsiderou. No rescaldo do encontro, Abramovich será aconselhado a livrar-se do treinador português e a contratar um de dois avançados para fazer dupla com Shevchenko: David, o esforçado brasileiro do Atlético, ou Anselmo, a esperança da Amadora.

Sunday, February 18, 2007

Esse tal do Ipiranga deve andar afónico



Primeiro foi Pepe e agora é Adriano. Tudo o que é futebolista brasileiro com mais de uma dúzia de meses de permanência em Portugal ameaça seguir o exemplo de Deco e trocar a "ordem e progresso" pelos "egrégios avós". Se contassem a D. Pedro I (D. Pedro IV de Portugal) que um dia ocorreria tal sangria desatada para transformar brasileiros em portugueses instantâneos será que o nobre descendente dos Bragança teria alinhado tão facilmente naquele lero-lero do "Independência ou Morte"?

Friday, February 16, 2007

Os grandes irmãos estão a vigiar-nos


Muito gostaria eu de saber como é que esses sacripantas do Google adivinharam qual foi o meu jantar na quarta-feira. Só lamento que os morangos tivessem mais tamanho do que propriamente sabor.

Tudo uma questão de palavras

Ficaria a gostar bastante mais de Alberto João Jardim se ele tivesse afirmado que "não há colhões" para dizer que o referendo ao aborto não foi vinculativo. Como o líder regional madeirense quedou-se pelo "não há testículos", limito-me a dedicar-lhe a mesma efémera admiração que senti por Pedro Santana Lopes quando, talvez ainda primeiro-ministro, reagiu a uma inesperada pergunta de um jornalista televisivo com um discreto "foda-se!" que animou um final de tarde na redacção do "Independente"

Para quando a chuva de sapos?

Primeiro foi o terramoto. Hoje tivemos uma queda de granizo como há muito não se via. Perante estes sinais pondero a hipótese de contactar os indivíduos que nas semanas anteriores ao referendo enchiam as caixas de correio com os panfletos da Nossa Senhora cheia de lágrimas para implorar-lhes que a água mineral engarrafada não se converta em groselha.

A balbúrdia em curso

Ainda estávamos todos a digerir a reinvenção do "Público" - a qual provocou rupturas de "stock" das míticas pastilhas Rennie nas melhores farmácias - quando Joaquim Oliveira decidiu cortar a eito em dois dos seus quatro diários. Afastadas as direcções do "Diário de Notícias" e do "24 Horas", o mercado começou de imediato a mexer. E as teorias mais excêntricas acerca do que irá ocorrer de seguida não cessaram de replicar-se, aqui e acolá com ligeiras alterações de pormenor, levando a crer que uma brigada aerotransportada da Cofina Média prepara-se para tomar conta da ocorrência enquanto Miguel Gaspar assume a direcção interina do título de referência da Global Notícias - contrabalançando, com o seu historial naquele edifício da Avenida da Liberdade, os evidentes sinais de uma revolução que se avizinha - e o único verdadeiro tablóide lusitano não terá certamente de recorrer a uma das "belas & perigosas" para assegurar o período de transição. Ao longo desta sexta-feira o ecrã do meu silencioso telemóvel iluminou-se mais do que é habitual. Infelizmente, em nenhuma ocasião ouvi o irmão do ex-seleccionador nacional fazer-me uma proposta irrecusável. Mas ainda assim - e por muito que lamente o sucedido a pessoas com quem já trabalhei e por quem tenho estima -, admito que segui os acontecimentos com o mesmo espírito com que os treinadores de futebol desempregados acompanham a turbulência que afecta este ou aquele clube. Pode ser que quando a poeira assentar haja maiores oportunidades de poder reentrar no circuito. E também pode ser que não. Até porque talvez tenha dúvidas de que me apeteça voltar a cantarolar quase, sem dar por isso, esta adulterada versão de um velho poema de Sérgio Godinho: "Vi-te a trabalhar o dia inteiro/ Construindo os jornais dos outros./ Tanta força por bastante dinheiro!/ Vi-te a trabalhar o dia inteiro".

Tuesday, February 13, 2007

Mais um solene anúncio de Sua Excelência, o Papagaio Morto


Este blogue entra em estágio para o Dia de São Valentim, essa importação tenebrosa dos Estados Unidos que, ao contrário da também atroz Coca-Cola, nem sequer serve para limpar as canalizações. A gerência agradece a quem por aqui passar nos próximos dias pelo incremento no Sitemeter mas é assaz improvável que haja grandes novidades nestas coordenadas até ao final da semana. Agora é hora de estudar Meios de Financiamento de Pequenas e Microempresas e de exercitar os dotes culinários que amanhã espero ter, qual Luke Skywalker que de um dia para o outro descobre em si a existência da força.

Esta coordenação papel-internet anda difícil


Os artífices da remodelação do "Público" andarão demasiado ocupados para alterar o "template" ou o saneamento do cronista Mário Mesquita devido à sua ligação à Fundação Luso-Americana - certamente seguida pelo afastamento compulsivo de quem esteja mais próximo do que o aconselhável da Fundação Mário Soares - só é válido no que à edição impressa diz respeito?

Primeiras notícias da pública remodelação


É preciso o "Público" mudar de roupagem para eu conseguir concordar com Daniel Oliveira em qualquer coisa: mudar o logotipo do jornal foi uma péssima decisão, apesar das sinergéticas razões apontadas para esse passo, talvez comparável ao erro de Inês Serra Lopes quando recebeu "O Independente" das mãos de Paes do Amaral e logo deixou cair o triângulo azul que tanto contribuíra para alterar Portugal nos anos 80 e 90. Um conservador como o autor deste blogue costuma lidar mal com mudanças bruscas, pelo que o diagnóstico mantém-se reservado e dependente de segunda, terceira, quarta ou décima leitura. No entanto, e ainda que isso aconteça pelos piores motivos - a grave doença de Eduardo Prado Coelho -, estou muito satisfeito com a existência de uma crónica diária de Nuno Pacheco no caderno "P2". Já abandonei o "Público" há quase oito anos mas nunca esqueci o grande profissional e ser humano que é o eterno director-adjunto (por duas vezes director interino, cargo que foi mais do que um encargo do que um proveito para quem não é movido pelo desejo de poder) do diário fundado por Vicente Jorge Silva e Jorge Wemans. Quem tenha passado algum tempo pelo "Público" dificilmente pode passar ao lado da capacidade de trabalho, da vasta cultura, da dimensão humana e da extrema humildade de um camarada de trabalho que, ultrapassados os obstáculos que lhe apareceram no caminho, é hoje (como sempre foi) a alma do jornal que se confunde com a sua vida.

Como baralhar um telespectador


Gosto muito da 20th Century Fox (que, ao contrário de Portugal, ainda não entrou no século XXI). Talvez pela fanfarra que abre os filmes produzidos pelo estúdio que em tempos foi de Zanuck, talvez pelo facto de o seu actual proprietário ser o emérito reaccionário Rupert Murdoch. Seja como for, recebi com grande alegria a "oferenda" do canal Fox Life no pacote básico da TV Cabo e, dentro dos meus constrangimentos de tempo, tenho-lhe dedicado bastante atenção. Pena é que, ao procurar seguir as séries "Ally McBeal" e "Grey´s Anatomy", seja confrontado com a absoluta falta de respeito pelos telespectadores que consiste numa anárquica arrumação dos episódios. Hoje uma personagem está apaixonada por outra e amanhã uma delas (ou as duas) já foram retiradas da série. Sabendo eu que a Entidade Reguladora para a Comunicação procura ser muito interventiva aconselho os seus membros a analisarem tão funesta prática.

Ó tempo, salta para a frente

Se Portugal entrou finalmente no século XXI por ter liberalizado o aborto até às dez semanas será que passa directamente para o século XXII se, daqui a oito anos, o eleitorado elevar a fasquia para as doze, treze ou catorze semanas?

Para a frente, Portugal

Terminada a longa noite do obscurantismo, estou em crer que os vitoriosos movimentos do "sim" não irão parar na marcha para a consolidação da dignidade feminina. Assim sendo, tenho a absoluta certeza de que os seus dirigentes irão pugnar incessantemente para que a moldura penal aplicável a estes crimes (cujas vítimas são na sua maioria mulheres) sejam agravadas. E é tão forte a minha crença de que assim acontecerá que nem sequer esperarei sentado.

Para os mais esquecidos segue-se uma breve lista de artigos do Código Penal:

Crimes contra a liberdade sexual

Artigo 163º
Coacção sexual
1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - Quem, abusando de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou a praticar acto sexual de relevo, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos.
(Redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro)

Artigo 164º
Violação
1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
2 - Quem, abusando de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou a praticar cópula, coito anal ou coito oral, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão até 3 anos.
(Redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro)

Artigo 165º
Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência
1 - Quem praticar acto sexual de relevo com pessoa inconsciente ou incapaz, por outro motivo, de opor resistência, aproveitando-se do seu estado ou incapacidade, é punido com pena de prisão de 6 meses a 8 anos.
2 - Quem, nos termos previstos no número anterior, praticar com outra pessoa cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.
(Redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro)

Artigo 166º
Abuso sexual de pessoa internada
1 - Quem, aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em:
a) Estabelecimento onde se executem reacções criminais privativas da liberdade;
b) Hospital, hospício, asilo, clínica de convalescença ou de saúde, ou outro estabelecimento destinado a assistência ou tratamento; ou
c) Estabelecimento de educação ou correcção; praticar acto sexual de relevo com pessoa que aí se encontre internada e que de qualquer modo lhe esteja confiada ou se encontre ao seu cuidado é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2 - Quem, nos termos previstos no número anterior, praticar com outra pessoa cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
(Redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro)

Uma nova ameaça ao frágil jornalismo nacional...


Uma responsável pela Wikipedia deixa o alerta: a enciclopédia virtual pode encerrar dentro de quatro meses devido a falta de verbas. Quantas páginas de jornal e revista sairão em branco se a Wikimedia Foundation não desencantar com urgência uns milhões de dólares em doações?

Monday, February 12, 2007

Isso é que foi um dia da liberdade...


Neste dia tão monotemático quase passou despercebido o facto de as autoridades germânicas terem concedido a liberdade condicional a Brigitte Mohnhaupt, cidadã de 57 anos que passou quase metade da vida atrás das grades por, enquanto operacional da organização terrorista Fracção do Exército Vermelho, ter participado em nove homicídios e em numerosos outros actos de criminalidade violenta. Fica o reparo para as inúmeras vozes nas últimas semanas não se cansaram de repetir que a actual legislação portuguesa do aborto coloca o país na cauda da Europa: basta olhar para o longo tormento da incompreendida Brigitte para ficar muito claro que, pelo menos no critério de progresso civilizacional que consiste na libertação de assassinos sanguinários que professem ideologias de extrema-esquerda, Portugal encontra-se 17 anos à frente da Alemanha.

Palavras de uma defensora da dignidade da mulher


"Ao discutirmos esta questão assim, desligada de qualquer outro programa de prevenção, como existe na Noruega — a Noruega tem um importante programa de prevenção das mutilações genitais femininas —, parece que estamos a ter uma atitude xenófoba. Ontem, um jornalista da RDP África telefonou-me para que eu, como relatora da comissão, dissesse qualquer coisa sobre o problema, tendo-me colocado a questão da seguinte forma: «Diga lá por que é que o Parlamento português vai criminalizar uma prática cultural?» Foi assim!"

"É verdade que é uma barbaridade! Mas, agora, temos de ir junto das mulheres que pertencem a essas comunidades para ver o que pensam e reflectir sobre como há-de tratar-se o problema. É uma barbaridade, não tenho dúvidas absolutamente nenhumas sobre isso. Mas repito que temos de ver como há-de tratar-se a questão, e não é desta forma, através da tipificação de crime."

"Aliás, há uma forma de tratar este problema através da educação sexual, o que os senhores não querem! Este problema tem de ser tratado através da educação sexual ministrada nas escolas para que, desde pequeninas, as crianças comecem a não aceitar esta prática bárbara e selvagem."

in Diário das Sessões da Assembleia da República

No dia 5 de Março de 2004 foi debatido um projecto de lei do CDS-PP que visava tipificar o crime de mutilação genital feminina no Código Penal. Entre aspas estão três intervenções da deputada comunista Odete Santos, a qual praticou a habitual táctica do "sim, mas" utilizada por grande parte dos autoproclamados defensores da dignidade da mulher em tudo o que tenha a ver com multiculturalismo. Ao relembrar estas frases não pretendo afirmar que Odete Santos se está borrifando para as guineenses e outras imigrantes em Portugal que são vítimas desta miserável prática. Muito pelo contrário: aceito pacificamente que ao longo da sua vida terá lutado muito mais pelos seus direitos do que o autor deste blogue. Mas o facto é que ainda assim aceitou a utópica noção de que basta dar educação sexual às meninas para as salvar de uma desgraça que o tal repórter da RDP-África considerava uma "prática cultural".

Em busca da direita perdida

Aproveito para anunciar às hostes menos canhotas que Bernardo Pires de Lima e Henrique Raposo escreveram "posts" com uma relevância nada proporcional ao escasso número de caracteres que necessitaram para retratar os actuais dilemas da direita portuguesa. Quem tiver interesse em tal questão deve aproveitar o "link" mesmo aqui ao lado para o blogue da Revista Atlântico. Para os outros visitantes do Papagaio Morto fica a garantia de que a emissão segue dentro de momentos.

A falta de memória começava a ser pública (e notória)

Ainda não tenho opinião formada quanto ao novo grafismo do "Público". Gosto do regresso das assinaturas dos autores dos textos entaladas entre duas linhas paralelas mas a primeira impressão de algumas páginas é de um "Diário de Notícias revisited". Mas o que realmente me alegrou na edição de relançamento que hoje aterrou nas bancas é que finalmente saiu um obituário digno desse nome do tradutor e crítico de teatro Manuel João Gomes, uma das figuras históricas do diário fundado por Vicente Jorge Silva e cuja morte anunciada havia merecido apenas uma telegráfica referência nas páginas da secção que tanto beneficiou do seu talento e empenho.

Marquês, vem cá ver isto!

Estive toda a manhã numa sala sem janelas, pelo que as notícias do terramoto que sacudiu Lisboa inquietaram-me. Mas o pior aconteceu quando chegou a hora do almoço e meti os pés na rua: à minha volta encontravam-se inúmeros edifícios em ruínas. Só fiquei descansado quando me lembrei que estava nas Avenidas Novas e aqueles prédios já estavam todos semidestruídos antes de a terra começar a tremer.

As minhas desculpas ao Sérgio por me apropriar das suas palavras

A terra tremeu ontem (e, segundo o sismógrafo, hoje também). Não mais do que anteontem pressenti-o.

Uma canção adequada ao "day after"?

"Das eleições acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas."

in "Os Índios da Meia-Praia", de Zeca Afonso

Se eu tivesse o mesmo respeito pela vitória das ideias contrárias às minhas demonstrado na célebre canção do sacrossanto cantautor "gauchista" Zeca Afonso, poderia passar o dia inteiro a cantarolar estes versos.

With a little help from their friends

Um bom filme ou um bom livro têm em si o sortilégio de fazer rir e chorar. Francisco Louçã garante 50 por cento deste efeito: ouvi-lo falar tanto provoca saborosas gargalhadas quanto arrepios de terror perante a improvável hipótese de alguém tão autoritário e intolerante em relação às ideias alheias possa um dia participar da governação de Portugal. Tive essa reacção quando o parece-que-é-mas-não-é líder bloquista proclamou que urge impedir que a objecção de consciência dos médicos "obstaculize" o acesso ao Serviço Nacional de Saúde das mulheres interessadas em "interromper" a gravidez. E como se atingirá tão nobre objectivo? Saneando todos os profissionais de saúde que não concordem em fazer abortos? Limitando o acesso aos hospitais públicos a quem jure por sua honra que aspirará qualquer feto com menos de dez semanas, sejam quais forem as circunstâncias? Isto talvez seja um nadinha controverso, mas há que reconhecer que a marcha do progresso faz sempre algumas vítimas. A não ser, claro está, que Francisco Louçã aproveite o facto de o ministro Correia de Campos ser seu cunhado-de-facto para, num jantar de família, convencê-lo da bondade de resolver o problema através da importação em massa daqueles magníficos médicos cubanos que "el comandante" espalhou pela Venezuela e Bolívia para aumentar a popularidade dos seus "franchisados" em certos segmentos-alvo do eleitorado.

E lá se iluminaram os católicos


Além da explosão de alegria após a divulgação das projecções dos diversos canais de televisão - ligeiramente despropositada tendo em conta o que estava em causa neste referendo... -, o que mais me impressionou na noite passada foi a intervenção de Francisco Louçã. Embora o dirigente bloquista e autoproclamado ponta-de-lança da entrada de Portugal no século XXI seja recordista no lançamento de demagogia fiquei estarrecido com a sua convicção de que a maioria dos católicos haviam votado no "sim". Como terá frei Louçã obtido esta informação? Querendo acreditar que o Bloco de Esquerda não instalou "webcams" em todas as mesas de voto, contando com o auxílio de padres progressistas e escuteiros alterglobalizadores para distinguir os eleitores das diferenças crenças - e vivendo na esperança de que a formação política ainda não conta com um serviço de informações inspirado na saudosa Stasi para apurar o que pensa cada um dos portugueses -, restam duas hipóteses de explicação: ou Louçã é capaz de dizer seja lá o que for desde que se adeque aos seus objectivos políticos ou então o frequentador da Capela do Rato entra em transes místicos durante os quais tem comunicação directa com Jesus Cristo. Caso a última opção seja a correcta suponho que nos próximos dará entrada num tribunal perto de nós competente acção judicial interposta por Alexandra Solnado.

Portugal, 12 de Fevereiro

A legítima decisão da maioria dos meus concidadãos que se deram ao trabalho de ir votar não me agrada. Problema meu. A partir de agora o aborto até às dez semanas está completamente liberalizado - ou despenalizado, caso prefiram - e temos todos a compensação de que não iremos ouvir mil vezes ao dia os chavões "vão de escada", "coisinha de nada" e "opressão da mulher". Espero que o lado vitorioso tenha consciência - tal como o lado que foi derrotado - de que nada mudou: se de facto somos todos contra o aborto há que apostar no esclarecimento dos portugueses. É fácil culpar o Estado Novo pela deficiente educação sexual que provoca tantas gravidezes indesejadas mas quem o faz encontra-se em absoluto "state of denial": uma vasta percentagem dos portugueses sexualmente activos nasceram depois de os retratos de Salazar e Marcello terem sido retirados das paredes. Ao longo de três décadas, por culpa dos partidos do arco da governação e por falta de capacidade daqueles que não o integram, pouco se fez. E agora temo que seja ainda maior a tentação para que nada se faça.

Friday, February 09, 2007

Nem mais um "post" para o referendo

Dizer que o "Sol" tem andado obnubilado é uma constatação que só peca por defeito. Mesmo assim, não posso deixar de dar os meus parabéns ao semanário de José António Saraiva - nem acredito que acabei de escrever estas palavras... - pela sondagem que faz manchete da edição que hoje chegou às bancas para não perturbar o dia de reflexão. Admito que não fiquei agradado com o resultado, o qual aponta uma vantagem de 18 pontos percentuais para o "sim" que talvez só uma brutal intempérie no domingo possa reverter. Mas o que me chamou a atenção foram as restantes perguntas colocadas aos portugueses pela TNSEuroteste: então não é que 58,7 por cento do eleitorado aprova a completa liberalização do aborto até às dez semanas mas só 35,4 por cento aceitariam o casamento entre homossexuais e míseros 29,7 por cento aprovariam o direito dos supracitados casais a adoptarem crianças? Sim senhor. Ao longo desta campanha fartei-me de ouvir - o que vale é que creio em certos ditados populares, como aquele do "o que vem de baixo não me atinge" - que os eleitores do "sim" são humanistas esclarecidos amigos da liberdade enquanto o "não" é constituído por uma amálgama de beatos que olham para todos os ramos das árvores à espera de terem visões, sádicos que adoram atirar mulheres desfavorecidas para celas imundas, bem-intencionados com falta de neurónios para entender o que "realmente está em causa" e sacripantas da pior espécie. É uma dicotomia que vale o que vale. Mas agora pergunto a quem acredita nisso: não ficam um nadinha aborrecidos por tão vasta fatia do vosso eleitorado - e até já estou a abstrair casos, como o meu, de eleitores do "não" que em nome da liberdade que não colide com outras liberdades votariam "sim" em referendos sobre o casamento de homossexuais e a adopção de crianças por casais homossexuais, o que ainda torna a aritmética mais interessante - aceitar uma propalada liberdade de escolha para as mulheres ao mesmo tempo que recusa os mais fundamentais direitos a cidadãos devido à sua orientação sexual? Não é curioso que 58,7 por cento dos portugueses aprovem que "coisinhas de nada" sejam retiradas do ventre de uma mulher num regime de "no questions asked" e só metade destes consintam que uma criança entregue a uma instituição possa receber o amor de um casal que a pretende integrar numa família?

Este é o meu último "post" relativo do referendo. Mais do que reflectir, seja qual for o resultado no domingo, é hora de mudar algo na cabeça dos portugueses. Para que, mesmo num quadro legal que o facilite, cada vez menos mulheres e homens do meu país tomem a decisão de recorrer a esta modalidade de planeamento familiar "a posteriori"

Bem prega frei Louçã...



E agora a pergunta para um milhão de dólares: qual é a percentagem dos presidentes de câmara eleitos nas listas do Bloco de Esquerda que, a acreditar nas últimas notícias, estão constituídos arguidos? A resposta é um redondo 100 por cento mas há que admitir que isso não é demonstrativo seja lá do que for a partir do momento em que Ana Cristina Ribeiro, edil de Salvaterra de Magos, é caso único de uma liderança bloquista no mapa autárquico nacional. Já muito reveladores são os argumentos apresentados pelo impoluto parece-que-é-líder-partidário-mas-não-é Francisco Louçã para que Ana Cristina Ribeiro não suspenda o mandato, seguindo o exemplo da vereadora lisboeta Gabriela Seara (e o que tanto é exigido a Carmona Rodrigues). "Este processo só aparece em Salvaterra, nesta altura, por causa do que se está a passar com a Bragaparques, em Lisboa", garantiu ao "Sol", certamente com a habitual voz embargada pela indignação, o único político português que tanto ficaria bem no "Ivan, o Terrível" de Eisenstein quanto num coro de igreja. Até porque a investigação da Polícia Judiciária não decorreu da denúncia de um cidadão acima de qualquer suspeita e apelido composto mas sim do reles proprietário de uma casa de alterne, alegadamente impedido pela autarquia de abrir o seu estabelecimento apesar de dispor de todas as licenças e alvarás. Depois disto fica provado que os Gato Fedorento fizeram bem ao não secundar a "charge" a Marcelo Rebelo de Sousa com outra dirigida a Francisco Louçã. Não é fácil satirizar quem já se dedica noite e dia a auto-satirizar-se.

Requiem por Anna Nicole Smith


A cultura popular perdeu uma das suas personagens secundárias mais pitorescas. A texana Anna Nicole Smith era conhecida por ter contraído matrimónio com um idoso multimilionário que morreu um ano depois deixando uma fortuna capaz de gerar uma batalha legal entre a semi-actriz e os descendentes do cavalheiro, por uma das medidas do seu corpo tender para os três dígitos, por ter perdido um filho adolescente de forma suspeita dias após ter sido mãe de uma menina... Foi encontrada morta, aos 39 anos, num quarto de hotel. Regra geral, cada vida humana que se perde é uma tragédia. O facto de uma determinada vida humana ser razoavelmente fútil não anula a tragédia. Descanse em paz.

O Papagaio Morto adere à demagogia em curso

«Segundo Criméia, de dentro da barriga, o bebê percebia o momento de início da tortura com ela ou com os outros presos nas celas vizinhas. "Todas as vezes que alguém ia ser torturado, os torturadores balançavam as chaves das celas. Por causa disso, todo mundo ficava tenso simplesmente ao ouvir o barulho. E o meu bebê soluçava. Esses soluços ficavam muito tempo depois. Depois que o meu filho nasceu, no Hospital do Exército, a comida vinha em peças de inox. O meu filho tinha soluços ao ouvir o barulho das peças. Era uma reação que ele tinha, seqüela do medo que ele sentia."»

in www.g1.com.br (o portal de notícias da Globo)

A militante comunista Criméia Alice Schmidt estava grávida em 1972 quando foi torturada pela polícia política brasileira. O fruto do seu ventre, João Carlos, viu reconhecido o estatuto de vítima da Ditadura Militar.

Cuidado minha gente, cuidado justamente com as interpretações

Hesito em dirigir-me a alguém tão importante para aquilo que hoje sou. Quando me lembro dos anos 80 grande parte da banda sonora que acompanha as imagens do filme é da autoria de Sérgio Godinho, enorme poeta da música que está para Portugal como Brel para a França (apesar do detalhe do local de nascença) ou Buarque para o Brasil. Apesar da ideologia do Sérgio - peço desculpa mas não consigo recorrer a um tratamento mais formal - ser, a meu ver, tragicamente errada, não tenho dúvidas em colocá-lo como uma das principais figuras da cultura portuguesa dos séculos XX e XXI. E é por isso que, a propósito da sua indignação (assaz compreensível) ao perceber que defensores do "não" utilizaram o "Espalhem a Notícia" num tempo de antena, me atrevo a dizer-lhe algo muito simples: uma das vantagens/desvantagens da criação artística é que, a partir do momento em que aceitamos partilhar a obra com os outros, deixamos de ser os exclusivos proprietários do seu sentido e sujeitamo-nos a que outros percepcionem a obra de uma forma radicalmente distinta da nossa.

Diz que é uma espécie de declaração de voto

As sondagens valem o que valem, mas o "sim" deverá vencer. Lamento que assim seja embora respeite a aparente vontade da maioria. No domingo irei votar naquilo que as minhas convicções me ditam votar. E essas convicções manter-se-iam iguais mesmo que nas sondagens o "não" se confundisse com a margem de erro.

Publicidade em tons de cinzento

Sempre que viajo de Metropolitano e desvio o olhar para os painéis publicitários fico com a momentânea impressão de que o cavalheiro de cabelo grisalho dos anúncios do Santander é nem mais nem menos do que José Sócrates. Ignoro se a agência escolheu a pessoa para explorar a parecença. Mas se era esse o objectivo tenho quilométricas dúvidas quanto à utilidade da estratégia. Da mesma forma que alguns não comprariam um carro usado a Richard Nixon eu não imagino qualquer situação em que subscrevesse um produto bancário associado ao actual primeiro-ministro.

Wednesday, February 07, 2007

Da exclusiva irresponsabilidade dos seus autores


Admito que tal não seja evidente para quem passa por este blogue mas tenho-me em conta de crédulo. Tanto assim que, após ouvir doutas vozes postularem a moderação em curso na presente campanha para o referendo, permiti-me acreditar que desta vez tudo seria diferente. Poderia ter mantido a bela ilusão se o acaso não me levasse a ligar a televisão no preciso momento em que a emissão da 2: era ocupada pelos famigerados tempos de antena. Lá vi o frei Louçã e a Ana Drago a torcerem as leis da lógica até as crenças de João César das Neves quanto às gravidezes provocadas por violação serem dogma para todos os apoiantes do "não". Não fiquei impressionado com o grau de demagogia dos "self-righteous" dirigentes bloquistas, rapidamente compensada pelo "rap" anti-aborto que embelezou um dos milhentos tempos de antena das incontáveis ramificações do movimento Não Obrigada!. Já o mesmo não posso dizer do espaço da exclusiva responsabilidade dos Jovens pelo Sim, rematado pelo mais repelente dejecto fumegante em forma de propaganda que até hoje vi em Portugal. Trata-se de um filme de escassos segundos cuja acção decorre numa penitenciária feminina decalcada dos filmes em que a heroína é apanhada com droga no aeroporto de um país oriental. A dado momento soa uma sirene e as apavoradas presidiárias recolhem nas celas enquanto uma nova companheira de infortúnio, atrozmente combalida e trajada com pouco mais do que roupa interior, é literalmente arrastada por duas guardas que provavelmente reservam imaginativas sevícias para mais tarde. Pois que a desgraçada jovem, "cujo único crime foi abortar", é atirada para dentro de uma cela escura onde não demoramos a perceber estarem concentradas mais algumas como ela. Dizer que fiquei impressionado com a criatividade dos Jovens pelo Sim é pouco, muito pouco. Apetece-me mesmo perguntar se alguns dos "jovens de todo o país, de muitas idades e profissões", os quais defendem "ideias e formas de agir muito diferentes", se revêem na mensagem do movimento que integram. Sem procurar ser exaustivo a percorrer o rol disponível no "site" oficial, confesso que gostaria de saber o que pensam acerca disto o escritor José Luís Peixoto, o meu velho conhecido Tiago Gomes, o meu colega de faculdade Sérgio Vitorino, a atleta olímpica Susana Feitor ou os músicos Pacman, Jorge Palma e Zé Pedro. Pela minha parte garanto que tornaria público o meu repúdio caso um celerado (também os há, também os há...) do campo do "não" realizasse um vídeo de propaganda a insinuar que, estando em vigor na Galileia a alteração legislativa que poderá ou não ser legitimada pelo eleitorado português no próximo domingo, talvez Maria não levasse a gravidez de Jesus até ao fim.

A maturidade enquanto produto bancário

Consegui chegar aos 34 anos e alguns meses sem nunca ter aplicado o dinheiro ganho com o suor dos meus dedos. Desde o primeiro cheque de 500 mil escudos destinado a pagar os primeiros três meses de trabalho no "Público" até à tarde de hoje nada mais havia ousado além de sucessivos depósitos e levantamentos na minha velha conta de depósito à ordem. Um comportamento capaz de provar, por si só, que a racionalidade nem sempre é convocado quando falamos de dinheiro e que só não configura um excesso de tesouraria mais grave pelo facto de a referida conta ter sofrido um abalo quando eu e a minha "better half" adiantámos uma razoável parcela do valor pelo qual comprámos as gélidas assoalhadas que pagaremos ao longo de três décadas. Só que tudo mudou entre as duas e as três da tarde. Entrei no balcão e mergulhei em simulações de rentabilidade, limites de desconto no IRS e comissões de gestão do investimento. Quando regressei à encharcada Avenida de Roma era o feliz detentor de um determinado número de unidades de participação num fundo obrigacionista de baixo risco cujos resultados dependem de factores que pocurarei entender na medida do que é possível. Nem sequer me lembro do nome do produto bancário que subscrevi. Retenho da torrente de informação que deixa de haver comissão de resgate após 180 dias e que o meu ganho será maior caso as taxas de juro parem de subir sempre que os cavalheiros do Banco Central Europeu resolvem sentar-se à mesa para tomar café. Estou muito satisfeito com este meu "upgrade" de maturidade e só espero não ter um ataque de coração - até porque ainda não subscrevi um novo seguro de vida no intuito de baixar o malfadado "spread" - da próxima vez que consultar o meu saldo após levantar dinheiro num Multibanco.

Aqui há gato

Gosto muito do Ricardo Araújo Pereira, ao lado do qual passei (o Miguel Góis também por lá andou) uma das tardes mais surreais da minha vida - eu enfrentei a indiferença de milhares de visitantes da Feira do Livro e os meus dois camaradas de mesa e guarda-sol suportaram a insanidade de um fã incondicional que pretendia ver autografado um molhe de recortes das crónicas do Zé Manel Taxista que então escreviam para "A Bola" -, apesar de raramente concordar com a sua ideologia. Mas por uma vez estamos de acordo. O Ricardo acredita que Cunhal não é o "reverso da mesma moeda" de Salazar. Assino por baixo. Até porque o líder histórico do PCP lograria fazer mais em 48 dias de poder do que Salazar, Carmona e Marcello em 48 anos.

P.S. - Há um efeito secundário positivo na polémica entre o Ricardo e o Paulo Pinto Mascarenhas, dois gajos que eu estimo mesmo que neste momento não haja propriamente um transbordo de amor entre eles: o Gato Fedorento, um dos "founding fathers" da blogosfera portuguesa, foi actualizado três vezes nos últimos dias.

Provavelmente o melhor blogue de Portugal


Feliz aniversário ao Corta-Fitas e que contem muitas tesouradas!

Tuesday, February 06, 2007

Aproveitar a janela de oportunidade


Que melhor complemento para um serão televisivo iniciado com o Portugal 2-Brasil 0 do que virar para a RTP Memória e poder assistir a "Rear Window"? Sem atingir o nível de "Vertigo" na escala de Hitchcock, o filme em que um fotógrafo semi-imobilizado procura desvendar um crime ocorrido num dos apartamentos que vigia a partir da sua janela das traseiras tem dois trunfos que o aproximam do sublime: James Stewart permanece a personificação da ética e da rectidão mesmo ao interpretar um "voyeur" assumido e, passadas mais de cinco décadas, o argumento de John Michael Hayes continua a ser do mais próximo que Hollywood se pode aproximar de Álvaro de Campos.

A seriedade durou poucos minutos...


Lembram-se daquela parcela do imaginário norte-americano dos anos 50 que eram os demonstradores de aspiradores? Em caso afirmativo agradeçam aos céus por o Papagaio Morto ainda não ter seguido as pisadas de outro blogue da praça, instalando o seu ninho na televisão de serviço público: de há uns dias para cá paira na minha perversa imaginação o esboço de um "sketch" (com o dickensiano título provisório de "Grandes Aspirações") que era capaz de dar algum trabalho ao professor doutor Paquete de Oliveira mesmo que não fosse para o ar antes de 11 de Fevereiro...

The "N" Word


Eu votaria "sim" se houvesse um referendo em que me perguntassem se cidadãos na posse das suas capacidades e com doenças incuráveis podem, a seu pedido, ver abreviado o tormento com a ajuda de profissionais de saúde que livremente o aceitem fazer.
Eu votaria "sim" se houvesse um referendo em que me perguntassem se dois cidadãos do mesmo sexo e com vontade de ficarem ligados pelo conjunto de direitos e obrigações chamado casamento o podem fazer.
Eu votaria "sim" se houvesse um referendo em que me perguntassem se esses mesmos cidadãos, já sujeitos às alegrias e agruras do casamento, têm o direito de se candidatar à adopção de crianças.

[sosseguem os leitores que, tal como eu, "padecem" de direitismo: também votaria "sim" se houvesse um referendo em que me perguntassem se autores de crimes contra pessoas em que haja extrema premeditação e desrespeito pela vida humana devem ter como pena máxima a prisão perpétua]

No entanto, irei votar "não" no próximo domingo. Faço-o devido às minhas dúvidas quanto ao início da vida humana, faço-o devido à minha crença de que as excepções previstas na actual legislação já são extremamente abrangentes (no caso da violação julgo ser impossível não reconhecer como legítimo que uma mulher não queira abrigar em si uma vida resultante de um acto de extrema violência), faço-o por considerar que combater o propalado flagelo do aborto clandestino passa pela educação sexual destinada a evitar a permanência do "desmancho" enquanto solução para um facto consumado, faço-o por querer viver numa sociedade de pessoas conscientes e que sabem precaver-se. São as minhas razões, certamente discutíveis. E, no limite, como diria o frei Louçã, no limite ignoráveis por serem desprovidas de autoridade. Por enquanto ainda só tenho sobrinhas (mais um sobrinho "oficioso") e não sei até que ponto isso me qualifica como "expert" em sorrisos de crianças.

O desgraçado que fez por me desgraçar

Já a minha conversa com o agente da PSP numa sala sem janelas do prédio da Avenida Coronel Galhardo ia a caminho do fim quando ele abriu um dos vários volumes dedicados às malfeitorias praticadas pelo "meu" ladrão em 14 residências lisboetas. Não demorou a encontrar a página enfeitada por várias fotografias do homem de 31 anos - quase sorri ao constatar que os seus dois nomes próprios são os mesmos de um meu camarada de futeboladas na infância e juventude e que as iniciais desses nomes são exactamente iguais às minhas - que em Setembro de 2006, poucas semanas após o encerramento do "Independente", introduziu-se em minha casa pela janela do escritório e saiu pelo outro lado deste quarto andar na companhia de um computador portátil de estimação, uma "powerbox" e um comando da TV Cabo, uma Playstation anacronicamente cinzenta e várias jóias que ao longo dos anos de namoro e concubinato ofereci à minha "better half". Olhei com a maior atenção para os retratos de quem era até esse instante uma abstracção enviada pelo destino para me lixar. Vi um homem magro, esguio, de origem africana e com inquestionável mau aspecto - mas suponho que também eu não sairia muito bem na fotografia caso a PSP me tivesse acabado de interromper tão lucrativa carreira... -, terrivelmente derrotado pelas circunstâncias, talvez já a pensar em todos os locais do crime anteriores onde, após valer-se de assinalável engenho e agilidade, cometeu a burrice de deixar impressões digitais. Aquele desgraçado é o homem que me piorou a existência quando menos disso precisava, o homem que levou a que a minha mulher tivesse medo de ficar sozinha na sua casa, o homem que transformou um taco de basebol até então visto como peça de decoração numa arma de destruição em massa estacionada em permanência entre a cama e a mesa de cabeceira. As hipóteses de recuperar aquilo que nos roubaram - dentro do computador, por exemplo, estavam textos de enorme importância - é diminuta, visto que o homem que aguarda julgamento em prisão preventiva teve o bom-senso de não denunciar o receptador dos produtos que roubava. Compreendo-o: ao contrário do que acontecia nos tempos do senador Joseph McCarthy, dar nomes é o caminho mais rápido para a lista negra no mundo do crime. Lembro-me agora do ladrão como um desgraçado mas abstenho-me de sentir qualquer pena. Embora tenha dez vezes menos confiança no sistema judicial do que na polícia, confio que o homem que partilha comigo as iniciais ficará longe das ruas durante uns bons anos.

Eis a minha recompensa por ouvir as conversas alheias

Um dos sinais mais evidentes de que passo demasiado tempo fora destas quatro paredes é o caudal de fragmentos de conversas duvidosas captados ao longo das minhas deambulações. Exemplo? No domingo ouvi um rapaz de telemóvel em punho garantir a quem o escutava que estava na Holanda. Pensei fazer de bom samaritano e alertar que os Países Baixos não fazem fronteira com as freguesias de São João de Deus e Alvalade mas optei por seguir viagem. Suponho que o rapaz queria estar na Holanda - em absoluto ou só no que ao interlocutor dizia respeito - e a culpa é minha por não ter o cuidado de sair à rua precavido com auscultadores ligados a um artefacto que debite música a altos berros e permita abstrair o mundo que me rodeia.

Sunday, February 04, 2007

Há coisas fantásticas, não há?


O meu amigo Rui Flores era o sportinguista mais angustiado do mundo no final da primeira parte do Sporting-Nacional. Acabado de chegar da Serra Leoa, onde integra a equipa residente da Sociedade das Nações (r), sentado no topo do sector B32 do Alvalade XXI, na companhia do seu irmão Paulo e do autor deste blogue, Rui começava a acreditar que carregava consigo uma maldição ainda mais letal do que Paulo Paraty e Paulo Costa combinados: depois de a sua última passagem pela Pátria lhe ter permitido testemunhar "in loco" a derrota caseira com o Paços de Ferreira (aquela do golo marcado com a mão), ele sentiu que talvez se devesse abster de regressar ao magnífico estádio que teima em não festejar qualquer título. Começava a ficar cabisbaixo, o que não deixou de estar mesmo quando nos últimos minutos da primeira parte eu apontei para a baliza virada a Sul e garanti - com aquela expressão facial de Ivan, o Terrível que o Francisco Louçã costuma fazer - que ali entraria a bola cinco vezes durante a segunda parte. Retomado o encontro, o penálti (inexistente) falhado por Liedson só serviu para confirmar a tendência de catástrofe iminente. Depois foi o que todos sabem: um reforço falhado, Carlos Bueno de sua graça, desatou a marcar, a marcar, a marcar. Nós três, e toda a rapaziada-ouçam-lá-o-que-vos-digo, não lhe poupámos aplausos - retenho sobretudo a ética demonstrada no lance do extraordinário golo de Liedson, no qual o uruguaio sedento de golos limita-se a controlar a caminhada da bola em direcção à baliza em vez de se apropriar da criação do colega de equipa - e no final saímos dali com a alma renovada e a três pontos da liderança que parecia deveras distante. Mas o mais aliviado era o Rui: não foi desta que lhe confiscámos o passaporte diplomático.

Friday, February 02, 2007

Socorro! É o regresso das microficções canalhas para acabar a semana

O processo do divórcio de Abrenúncio e Etelvina Calhorda, ligados pelos sagrados laços do matrimónio há cinco décadas - as três últimas em regime de comunhão geral de silêncio -, estava a correr melhor do que os filhos e netos mais optimistas esperavam. Mas toda a concórdia esvaiu-se quando veio à baila a questão de saber quem manteria a custódia do cão de louça.

Humilde sugestão ao Governo de Portugal


Ao contrário do que aconteceu aquando da viagem presidencial à Índia, Isabel Pires de Lima não integrou a comitiva liderada por José Sócrates. É uma ausência que se lamenta, até porque as possibilidades de incrementar o intercâmbio cultural luso-chinês são infinitas. Só para servir de aperitivo atrevo-me a sugerir um "remake" de "O Tigre e o Dragão" assinado pelo mestre Manoel de Oliveira em que todas aquelas cenas com lutas de artes marciais coreografadas ao milímetro fossem substituídas por intermináveis planos fixos nos quais Chow Yun-Fat e a obrigatória Leonor Silveira, com maquilhagem digna do reconhecimento da Academia, interpretariam dois guerreiros mais interessados em conversa do que em luta, debitando em tom monocórdico tudo o que as enciclopédias têm a dizer acerca de várias dinastias de imperadores.

Instantâneo da Lisboa que entardece

Passava em passo apressado por uma paragem de autocarro junto ao Campo Pequeno quando reparei que um automobilista desacelerou, buzinou e ainda fez uma série de acenos contrários ao espírito que preside à prevenção rodoviária. Procurava chamar a atenção de uma jovem que, sentada no banco de "design" duvidoso e com uma mapa das carreiras que percorrem a capital a servir-lhe de pano de fundo, aguardava a chegada de uma boleia da Carris. Talvez estivesse absorta nos seus pensamentos. Eu fiquei com a impressão de que simplesmente optou por não recompensar a atenção de um seu provável conhecido. E só não posso garantir que o automobilista chegou à mesma conclusão por não o ter considerado suficientemente interessante para o transformar em personagem.

Diz que é uma espécie de autofagia

Há quem leia jornais à procura dos horóscopos. Respeito os gostos alheios mas prefiro as páginas dos cadernos de classificados dedicadas à publicação obrigatória de avisos dos tribunais. Deixo a imaginação divagar a seu bel-prazer e construo as mais improváveis associações entre aqueles réus e autores que têm prazos de não sei quantos dias para fazer não sei o quê. Assim sendo, não me passou despercebida a insolvência da empresa de construção civil José Cerejo dos Santos & Outros, a qual gera ocupação de espaço publicitário que seria, por si só, suficiente para viabilizar um jornal de média dimensão. Todos os dias surge mais alguém a verificar créditos no Tribunal de Porto de Mós. Mas o que hoje li no "Correio da Manhã" é de tal forma belo que merece ser partilhado: há quem pretenda a verificação de um crédito no montante de 97.212,96 euros que lhe é devido pelo cidadão portomosense José Cerejo dos Santos. "So what?", perguntará o respeitável público? Então não é que o credor responde pelo nome de José Cerejo Santos... Será isto um insolvente de rabo na boca?

Thursday, February 01, 2007

O longo braço da Lei


Recebi no início da tarde uma chamada proveniente de um número fixo cujos nove algarismos nada me diziam. Estando a meio de uma aula segui uma norma social em desuso e não atendi. Telefonei de volta durante o intervalo, uns minutos mais tarde, identifiquei-me e percebi que estava a ligar para a PSP. Não é que capturaram o cavalheiro que no Setembro do meu descontentamento assaltou esta casa, privando-me de um velhinho iBook (com tantos textos importantes e não "backupados" no seu disco rígido...), do descodificador da TV Cabo (e que belos aborrecimentos enfrentei por isso até "a little help from my friend" ter resolvido o imbróglio...) e de grande parte das jóias que ao longo dos anos ofereci à minha "better half"? O homem que, "adding insult to injury", ainda teve tempo para levar duas sobremesas Longa Vida do frigorífico antes de fugir com os nossos haveres! Segunda-feira tenho agendada uma conversa com um agente, um daqueles homens e mulheres que nos protegem de quem que não respeita os "otários" que seguem as regras básicas da nossa sociedade. Tendo em conta os três meses e meio decorridos entre o assalto e a captura do fulano não tenho esperança de recuperar os bens que perdi. Também ninguém me poderá compensar o desassossego de largas semanas passadas a carregar um taco de basebol pela casa fora a cada ruído menos explicável nas mais altas horas da madrugada. Mas não posso deixar de agradecer à PSP.

Uma suspeita que eu cá tenho

Quando Manuel Pinho for extraído do Governo não faltará quem diga, pedindo emprestada uma expressão muito em voga noutro contexto, que foi só uma coisinha de nada.
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